Existe na União Europeia outro tema que não seja a questão dos refugiados? A crise da dívida manteve a União Europeia em suspense por anos, supostamente era o destino da Europa que estava em jogo. Relatos recentes de que os credores atrasaram o pagamento de novos empréstimos à Grécia, já que o país não avança nas reformas, mostram que o tema ainda faz parte da agenda. Mas a lembrança da Grécia também mostra outra coisa: em poucas semanas, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, perdeu drasticamente prestígio na Europa.
Merkel angariou grande autoridade durante a crise de endividamento. Ela representava a manutenção das regras, da solidez orçamentária, mas também os esforços em prol da coesão europeia. Onde foi necessário, ela esteve disposta a fazer concessões. A sua política de estabilidade não agradou a todos, mas mesmo muitos críticos viram que o remédio da "mamãe" era bom.
Isso foi válido até meados deste ano, quando Merkel reagiu com duas frases fatais diante do fluxo de imigrantes: "Não existe limite máximo" e "Vamos conseguir". Até hoje, ela se mantém fiel a ambas sentenças. Então vieram selfies com refugiados e a decisão solitária de não respeitar mais a Diretriz de Dublin. Para a chefe de governo, cercas contra migrantes não são somente inúteis, mas também condenáveis – ela simplesmente aceitou a perda de controle por parte do Estado. E, como se tudo isso não bastasse, ela apresentou aos europeus a sua visão das coisas como a única moralmente correta.
Em outras palavras: os parceiros europeus deveriam ajudar a Alemanha a lidar com as consequências de uma política cuja principal responsável é Merkel. Embora ninguém afirme que a chefe alemã de governo seja responsável pelo movimento migratório, ela reforçou consideravelmente o afluxo rumo à Europa, obrigando outros países europeus a assumir uma responsabilidade indesejada.
Lá estava ela novamente: a arrogância alemã, mesmo que em defesa de um objetivo sublime. Desde então, em seus encontros com homólogos europeus, Merkel se depara com uma rejeição gélida. Os poucos apoiadores, como o presidente francês, François Hollande, só concordam da boca pra fora. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, chegou a declarar abertamente o fluxo de refugiados como um "problema alemão" e cerrou o seu país.
Após a guinada à direita na Polônia, não se pode mais esperar nenhuma concessão do país. E até mesmo o chefe de governo sueco, Stefan Löfven, passou a sofrer pressão interna para fechar as fronteiras. Enquanto isso, nada mais restou da coesão europeia. Cada um tenta salvar a própria pele, se necessário à custa dos outros.
Moralmente, a chanceler federal alemã pode achar o quanto quiser que está correta – na política para refugiados, ela se encontra isolada na Europa. Na questão financeira, ela pôde impor amplamente as suas posições porque uma maioria no continente acreditava, apesar dos pesares, em sua política. Mas com a ideia de um acolhimento ilimitado, Merkel não somente fez com que a maioria dos alemães se voltasse contra ela, mas também uma grande maioria na Europa. E contra isso não há política que dê jeito.
A tragédia pessoal de Merkel é que ela está colocando em risco a grande autoridade que construiu na Europa.