Como esperado, o governo espanhol transformou em atos as suas ameaças e invocou o artigo 155 da Constituição, com o qual a autonomia da Catalunha pode ser fortemente limitada ou totalmente suspensa. A situação se tornou de tal maneira insustentável que o presidente do governo se viu obrigado a agir. Ele disse que optou por restabelecer a lei e a ordem. Mas, com a mesma disposição, Barcelona se nega a voltar atrás na chamada "declaração de independência" do líder catalão, Carles Puigdemont. Parece um engavetamento em meio à neblina numa autobahn.
Nesse caso, a neblina é de natureza política. O que se vê na Espanha é um colapso total da diplomacia. Em Mariano Rajoy falta instinto político. Ele se comporta como um jurista, que olha apenas para a letra e não para o sentido da lei. Para um chefe de governo, ele carece de flexibilidade e inteligência emocional. Ele poderia ter evitado há meses que o conflito se acirrasse desta maneira e levasse a uma colisão. E repressão, como a detenção de dois líderes separatistas, só ajuda a acirrar ainda mais os ânimos e a unir o movimento.
Mas o governo regional catalão se comporta de maneira igualmente absurda: levado pela ideologia, cabeça-dura e sobretudo irresponsável. O grupo em Barcelona tragicamente lembra um parlamento estudantil: debates acalorados, decisões heroicas, e ninguém se preocupa com as consequências. As posições deles são simplesmente irracionais. Os paladinos da independência se mantêm irredutíveis diante deempresas que vão embora e do declínio econômico. Nem mesmo o recuo no número de turistas os convence. Em nome da causa, qualquer sacrifício é válido.
Mas que nacionalismo é esse para o qual se erguem barricadas? De um lado, trata-se de uma política de identidade como a que se espalha pelo mundo: focada no isolamento e arrogante em relação ao vizinho. O combustível é um populismo que exacerba sentimentos com maestria e pratica uma propaganda inteligente e uma manipulação exemplar nas redes sociais.
Por trás dele esconde-se a banal fome de poder dos atores em Barcelona. Os governantes catalães tomaram gosto pelos cargos e, até aqui, se livraram com facilidade das acusações de corrupção. Mas eles acreditam que ainda podem conseguir mais. Puigdemont quer passar de presidente-adjunto para chefe de governo de verdade, daqueles que participam de encontros de cúpula e são alguém no palco internacional.
O problema é que a coisa toda não fecha. Os separatistas justificam sua singularidade nacional com uma batalha perdida no ano de 1714. Naquele ano, o rei espanhol tomou a cidade de Barcelona de um golpe só. Já se passaram 200 anos desde que a Catalunha foi independente pela última vez, e hoje muitos acreditam que está na hora de recuperar o tempo histórico perdido. Tudo isso lembra um pouco a Guerra do Bálcãs, o Brexit e todos esses fervores irracionais em torno de fantasias históricas.
E como isso seria na prática? A Catalunha é o motor econômico da Espanha, bem-sucedida no mercado global. Mas isso só ocorre por causa da união com o Estado espanhol e a União Europeia. Empresas estão retirando aos borbotões suas sedes e centrais de Barcelona, pois não querem uma situação jurídica instável e ebulições de cunho nostálgico. A região vive e trabalha no século 21, mas olha para o século 18, para os tempos do rei Felipe 5º. Não há como sustentar esse malabarismo. Os defensores da independência da Catalunha terão que optar por uma época: o presente. Do contrário, vão de fato sair como os perdedores da história.
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