Donald Trump se superou novamente. No encontro anual da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) – grupo com laços estreitos com os republicanos – o presidente dos EUA reiterou sua acusação contra grandes partes da mídia dos EUA, ou seja, que publicam informações falsas ou que são, elas mesmas, "fake news", até mesmo "inimigas" do povo.
Mas isso não foi tudo. Trump anunciou até que fará algo para impedir que a mídia baseie suas notícias em fontes externas sem citar os nomes desses contatos. Se algo do tipo realmente se tornar legislação, isso seria um grande ataque à liberdade de imprensa. Sem proteção às fontes, sem informantes anônimos e "whistleblowers", a mídia não seria capaz de realizar com eficácia o seu trabalho – mantendo os poderosos sob controle.
Trump enfatizou que seus ataques não eram dirigidos à mídia como um todo, que haveria "bons" exemplos também. Mas ao dizer "bom", o presidente estava se referindo àqueles veículos que tendem a ficar a seu lado: por exemplo, a emissora abertamente pró-republicana Fox News. O próprio Trump várias vezes citou o programa matutino Fox and Friends, cujos apresentadores reverenciam o presidente com uma devoção que beira a bajulação.
No entanto, a Fox também tem alguns âncoras sérios, que aplicam suas faculdades críticas em relação a todos, como Shephard Smith e Chris Wallace. O canal pelo menos tenta trazer em doses equilibradas as vozes mais à esquerda e liberais do espectro político. Mas não se pode dizer o mesmo sobre alguns dos outros amigos da mídia de Trump, como o radialista conservador Rush Limbaugh. Ou o ainda mais irado Alex Jones (da Infowars), que propaga teorias da conspiração na internet, no rádio e via vídeo. E, claro, existe ainda a plataforma online Breitbart, chefiada durante quatro anos pelo estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon. Na campanha eleitoral de 2016, a Breitbart vomitou propaganda política desenfreada pro-Trump e também se promoveu através de histórias por vezes inventadas sobre crimes supostamente cometidos por imigrantes nos EUA e na Europa.
Estes são os meios de comunicação a que Trump se refere, quando elogia alguns como "agradáveis" ou "justos" para ele. São eles que ele cita explicitamente para tentar validar suas teorias às vezes primitivas ou seus fatos alternativos. Todos os outros, no que diz respeito a Trump, são "injustos" ou "desonestos" – são "notícias falsas". O foco de Trump aqui é nos tradicionais faróis do jornalismo americano, como o New York Times e o Washington Post, ou nos canais de TV estabelecidos, como ABC, NBC ou CNN.
Estrategista-chefe e principal ideólogo de Trump, Bannon bateu nas mesmas teclas na conferência da CPAC. Mais uma vez, ele expôs sua crença de que não são os democratas os principais adversários do "movimento" populista que levou Trump à Casa Branca, e sim a "mídia mainstream". Essa é uma velha maneira que os conservadores acharam para se referirem àquele tipo de jornalismo que consideram liberal demais para seu gosto.
Então, combina que no mesmo dia do discurso de Trump no CPAC uma série de meios de comunicação – incluindo a CNN, o New York Times e o portal liberal de notícias Politico – sejam excluídos dos briefings diários com o porta-voz da Casa Branca. Considerando de forma isolada, isso não é escândalo algum, já que alguns desses briefings podem ter certo grau de exclusividade – mesmo que a exclusão de tais veículos de renome seja um pouco fora do comum. Mas a mensagem subjacente era clara: esses críticos desconfortáveis, que criaram problemas para a administração nos últimos dias, com revelações após revelações, devem ser "punidos". Isso não é um bom sinal.
O que só pode ser esperado agora é que aqueles entre os confidentes de Trump que não estão inclinados ao confronto possam botar um freio nisso. E, sem dúvida, nos próximos dias serão expressas garantias de que nenhuma medida legal contra a mídia está em planejamento – e que, mais uma vez, a mensagem de Trump foi mal interpretada.
Isso seria mais ou menos como as aparições do secretário de Defesa Jim Mattis e do vice-presidente Mike Pence na Conferência de Segurança de Munique há alguns dias, tranquilizando os aliados da Otan e tentando, em geral, colocar uma tampa sobre a definição de Trump para a aliança defensiva como "obsoleta".
Mas será mesmo que Trump estava realmente falando uma asneira impensada – de novo? E acima de tudo: será que a sua eminência parda Steve Bannon realmente vai deixar que isso seja evitado?
No final do dia, é principalmente Bannon que quer abalar o Partido Republicano e, finalmente, os próprios EUA. Sua ferramenta para essas reformas é o presidente Trump, apoiado pelo "movimento" nacionalista que se reuniu nos arredores da capital nos últimos dias. "Nacionalista", aliás, não é um exagero da "mídia mainstream". O próprio Bannon frequentemente usa esse termo, assim como muitos outros palestrantes e participantes da CPAC.
E o que dizer das forças conservadoras mais moderadas no Partido Republicano, no Congresso e na administração Trump? Elas estão cooperando, para poderem realizar seus objetivos políticos, objetivos que foram repetidamente frustrados pelo presidente democrata Barack Obama nos últimos anos.
Eles deveriam pisar com cuidado. Bannon e Trump podem estar atingindo a mídia agora, mas o alvo deles é o establishment inteiro – incluindo o Partido Republicano.