Apesar de dificuldades, Bachelet pode corresponder às expectativas
12 de março de 2014Raras vezes um governante latino-americano iniciou um mandato com tantas expectativas como Michelle Bachelet Jeria. A nova presidente do Chile assume um país com economia saudável, democracia estável e uma sociedade segura de si, que reivindica seus direitos e também reformas.
Bachelet também está no centro das atenções internacionais: a combalida esquerda da América Latina busca urgentemente uma nova figura agregadora. Ao mesmo tempo, países como Estados Unidos e México, além da União Europeia, anseiam por continuidade na estabilidade política e econômica do Chile.
A nova presidente quer enfrentar os desafios internos com uma agenda audaciosa: ela prometeu 50 medidas nos primeiros cem dias de governo. Não se trata de retórica de campanha – ela leva essa promessa a sério. É a primeira vez desde 1990, ano do retorno da democracia, que um chefe de Estado tem uma maioria tão confortável no Congresso.
Essa maioria é o requisito fundamental para levar adiante as tão necessárias reformas do sistema de educação, da legislação tributária e da Constituição. Principalmente desta última, para o país definitivamente se livrar dos últimos vestígios da ditadura de Pinochet.
Mesmo assim, não deverá ser um caminho fácil para a presidente: sua aliança, a Nueva Mayoria, não é um bloco estável. Seu espectro político inclui desde os comunistas até os democrata-cristãos. Manter essa constelação unida já está sendo difícil e cobra o seu preço: a vice-ministra da Educação que Bachelet desejava teve que ser dispensada antes mesmo de assumir o cargo devido à pressão dos grupos de esquerda da Nueva Mayoria. Essa não deverá ser a única baixa causada por atritos dentro do governo de Bachelet.
Ao mesmo tempo, a presidente deve se preparar para lidar com a pressão das ruas. Os movimentos estudantis já deixaram claro que podem, a qualquer momento, voltar às barricadas se as reformas na educação não forem adotadas conforme suas exigências de conteúdo e prazo.
Ninguém contesta a necessidade urgente de proporcionar a todos os chilenos uma educação gratuita e de qualidade. Apenas dessa maneira será possível superar o fosso entre ricos e pobres no país. Mas justamente pela importância dessa reformas, Bachelet não deve se deixar levar por manifestantes ou ideologias.
A relação com as ideologias também é fundamental para o futuro da política externa de Bachelet. O Chile é membro da Aliança do Pacífico, a alternativa exitosa e flexível ao ideologicamente teimoso Mercosul. A nova presidente do Chile já deixou claro, durante a campanha, que quer atuar como mediadora entre as duas alianças econômicas.
A Aliança do Pacífico trouxe grandes vantagens econômicas para o México na América do Sul, às custas do Brasil. O maior país da América Latina poderá se beneficiar dessa mediação do Chile. Não foi má ideia nomear o ex-embaixador chileno no Brasil como ministro do Exterior. É um sinal claro para que a economia e a política se distanciem dos protecionismos e apoiem a abertura de mercado.
Além disso, Bachelet tem a oportunidade de enviar um forte sinal: ela terá de comentar os protestos e a repressão na Venezuela quando a Unasul lidar com esse tema. O conflito provocou uma profunda divisão política no continente. Essa ocasião vai revelar como a socialista Bachelet se posiciona em relação à esquerda latino-americana.
Ela é certamente inteligente demais para se unir à retórica ultrapassada e às vezes insensata de seus colegas Kirchner, na Argentina, ou Maduro, na Venezuela. E certamente vai buscar ter voz própria.
De qualquer modo, a pragmática Bachelet não proclamará nenhuma revolução, seja em casa, seja no exterior. Se conseguir manter sua aliança partidária unida e souber moderar com inteligência os conflitos de interesses da sociedade, terá todas as chances de corresponder às altas expectativas nela depositadas.