Estou furiosa. Em que sociedade estamos mesmo vivendo, se tantos simplesmente dão de ombros ao ficar sabendo dos 2 trilhões de dólares de origem incerta movimentados por diversos bancos?
"Origem incerta" quer dizer que possivelmente criminosos, entre os quais mafiosos e oligarcas duvidosos, lavaram seu dinheiro sujo através das instituições financeiras. Graças à reportagem investigativa de mais de 400 jornalistas, vieram a público 2.100 relatórios de atividades suspeitas (SARs, na sigla em inglês) dos bancos. E até agora só temos uma visão parcial das redes pelas quais o dinheiro fluiu.
Mas onde está a indignação pública? A reivindicação da renúncia dos diretores? Em vez disso, o que se vê é muita indiferença e resignação, no espírito de "não se pode fazer nada".
Diversos grandes bancos participaram dos negócios escusos, entre eles o Deutsche Bank, mas também o HSBC e o JP Morgan – nos quais, aliás, numerosos pequenos assalariados mantêm suas contas. Os bancos fizeram vista grossa, consciente ou inconscientemente, aparentemente relaxaram os controles.
Eles esperaram bastante para relatar os casos suspeitos, preferindo embolsar as taxas sobre as transações suspeitas, e só posteriormente comunicaram as irregularidades. Ou nem mesmo isso. Algo assim tem a ver com falta de compasso moral.
Um resultado é que também cartéis do narcotráfico de todo o mundo utilizam os bancos, tornando possível produzir e vender com lucro cocaína e heroína. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) calcula que anualmente mais de meio milhão de seres humanos morrem pelo consumo de drogas.
Os cartéis contam que o dinheiro ganho ilegalmente será legalizado em algum momento, através de espertas transações financeiras, fluindo para a compra de imóveis, restaurantes ou automóveis. A lavagem de dinheiro funciona porque os sistemas de controle existentes estão sobrecarregados.
É uma boa notícia também para os oligarcas da Rússia. Partes de Londres já estão firmemente em mãos russas, e é difícil provar de onde vem o dinheiro para os imóveis de luxo, que em muitos casos passou por diversas contas bancárias e firmas de fachada de oásis fiscais.
No fim da transferência, pode estar o perigo para vidas humanas, como os 20 marinheiros no Estreito de Kerch [mortos num acidente em 21 de janeiro durante uma transferência de combustível ilegal entre dois navios, cuja conexão com o grande capital é exposta nos arquivos do Financial Crimes Enforcement Network]. Por isso, as revelações do FinCEN dizem respeito a nós todos, e por isso é preciso algo mudar bem rápido.
Nosso sistema bancário não condiz mais com os tempos atuais. Não há nada contra ter lucro, desde que mantendo-se regras claras. Os institutos financeiros dos Estados Unidos devem comunicar às autoridades toda transação suspeita, no máximo de 30 dias após descobri-la: essa regra já existe, só que praticamente nenhum banco a respeita.
A análise dos arquivos do FinCEN mostra que, em média, as instituições deixaram transcorrer 166 dias até denunciar a suspeita de uma lavagem de dinheiro. Isso está longe de poder ser considerado um sistema de segurança em bom funcionamento.
Parece haver bem pouco interesse dos bancos em passar adiante dados importantes que possam dar partida a investigações contra seus clientes. É preciso que isso mude. A pressão pública sobre eles deve ser tão grande que se sintam forçados a respeitar as regras e comunicar imediatamente qualquer suspeita.
Lavagem de dinheiro não pode ser parte do modelo de negócios tolerado. Uma regulamentação fraca e persecução ineficaz dos casos suspeitos prejudicam a economia – e, assim, a nós, a sociedade. Nenhum cliente pode contar que seu dinheiro sujo será lavado com o incentivo de bancos sedentos de lucros e controles fracos.
Precisamos de departamentos de supervisão nacionais e internacionais em bom funcionamento, onde trabalhem os melhores profissionais. Fluxos criminosos de dinheiro têm que ser sustados, já que, no fim das contas, se trata do nosso dinheiro.
Ou seja: há motivos suficientes para se estar furiosa.
Manuela Kasper-Claridge é a editora-chefe da DW.