Para começar, uma pequena digressão a um passado distante: cheguei a Berlim para começar os estudos universitários em 1983, quando esta ainda era uma cidade murada. No curso de ciências políticas, eram oferecidas matérias com o título "Solidariedade crítica com a US". US se referia à então União Soviética. A sério? O muro que atravessava a cidade não era, justamente, um exemplo perfeito de como era implacável a política russa ou soviética?
Mas logo tive que aprender: o inimigo dos muitos esquerdistas da Alemanha não era Moscou, mas Washington. De lá eram lançadas as terríveis guerras no Vietnã e na América Central e Latina. Já a União Soviética era algo desconhecido. E não fora o Exército Vermelho que havia libertado Auschwitz? De qualquer forma, o comportamento político agressivo era percebido de maneira muito diferente pelas partes oriental e ocidental.
Mudança por aproximação
A máxima da política alemã predominante (de início, da Alemanha Ocidental) era o que se chamava de política de distensão. "Mudança através da reaproximação", conceito criado pelo pioneiro social-democrata Egon Bahr. Não me entendam mal: foi correto buscar diálogo com o antigo inimigo no Leste, para concluir acordos – sobretudo para melhorar a situação dos compatriotas a leste da Cortina de Ferro, na República Democrática Alemã (RDA), sob governo comunista.
Inicialmente com forte oposição dos conservadores, a política do chanceler federal Willy Brandt alcançou grande sucesso no início dos anos 1970. Essa abordagem foi posteriormente adotada pelos sucessores de Brandt, Helmut Schmidt e Helmut Kohl. Mas quando Schmidt passou a apoiar firmemente a decisão de via dupla da Otan no início da década de 1980 – ou seja, a oferta de mais negociações de controle de armas com o Leste e simultânea instalação de mísseis no Ocidente – ele perdeu o apoio de seu Partido Social-Democrata (SPD).
O movimento pela paz, poderoso e forte entre os jovens da República Federal da Alemanha da época, irrompeu contra esse plano. Quanto a uma potencial ameaça vinda de Moscou, pouco se escutava.
Gorbachev, o queridinho dos alemães
Mais tarde, no curso da unificação alemã, o governante soviético Mikhail Gorbachev era o queridinho dos alemães. O então presidente dos Estados Unidos, George Bush, primeiro chefe de Estado das potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial a concordar com a reunificação, recebeu muito menos aplausos. Até meados da década de 90, muitos soldados russos retiraram-se discretamente do território da antiga RDA.
A Europa, com a Alemanha unida no meio, celebrou a vitória na Guerra Fria. A Otan e a União Europeia se expandiram para o leste, sem pensar muito nas reações em Moscou. A economia de mercado e a democracia resolveriam isso, dizia o espírito da época.
E, de fato, depois que o Pacto de Varsóvia foi dissolvido em 1991 e os europeus do Leste conquistaram sua liberdade em relação a Moscou, eles não queriam nada mais do que finalmente pertencer aos clubes ricos do Ocidente. O que era e continua sendo um direito deles.
Vitória eleitoral com um "não" à guerra dos EUA
Em 2002, o então chefe de governo Gerhard Schröder, até hoje amigo íntimo de Vladimir Putin, surpreendentemente conseguiu ser reeleito após números inicialmente ruins nas pesquisas de intenção de voto levantando uma questão particular na campanha: seu "não" à participação alemã no ataque liderado pelos EUA ao Iraque. Como se viu mais tarde, a incursão militar americana fora realmente justificada com mentiras, mas é difícil imaginar que uma posição alemã definida sobre as ações militares russas tivesse tido tal efeito no país.
Mesmo depois disso, a Alemanha manteve seu curso em direção a Moscou, que remonta à época da política de distensão: conversas, sempre que possível, incluindo negócios. O gasoduto Nord Stream 2 do Mar Báltico tem sido alvo de fortes críticas há muitos anos, não apenas nos EUA, mas também na Europa. No entanto, a política alemã se aferrou a ele, apesar do aviso para não se tornar dependente do gás russo.
Por um longo tempo, a chanceler federal Angela Merkel rejeitou qualquer crítica a respeito, apontando que era "meramente um assunto de negócios privados", uma formulação que seu sucessor social-democrata, Olaf Scholz, repetiu em dezembro.
Antes disso, em 2013, a espionagem praticada pelo serviço secreto americano NSA foi – com razão – o tema dominante na Alemanha durante semanas. Até o celular de Merkel fora espionada. A guerra híbrida de Moscou, a desinformação e os assassinatos políticos pelas agências de inteligência russas no Ocidente nem de longe enfureceram os alemães de tal forma.
Carnaval, apesar da guerra
Provavelmente é uma mistura de medo e indiferença: é melhor não mexer com a Rússia – está perto demais da nossa porta de casa. E mesmo após a queda da Cortina de Ferro, o gigantesco império no Leste Europeu permaneceu estranhamente desconhecido para a maioria dos alemães. Nesta quinta-feira (24/02), dia do ataque à Ucrânia, é festejado Carnaval no oeste da Alemanha. Por outro lado, nada se ouve de manifestações em grande escala pela liberdade e inviolabilidade da Ucrânia.
Tudo isso deve e agora vai mudar, de forma terrível. O governo pelo menos parece ter entendido isso. O Nord Stream 2 não entra em operação por enquanto, o chanceler federal Scholz chama os eventos como aquilo que são: "a guerra de Putin". E fala de um dia sombrio para a Ucrânia, para toda a Europa. Exatamente porque este não é um evento longínquo, mas um que também nos atinge no âmago.
Permanece o fato de que a Alemanha tem uma dívida com o país, em vista dos muitos milhões de soldados e civis russos que morreram na Segunda Guerra Mundial. Mais precisamente: com o povo russo. Mas não em relação a seu governante, totalmente desvairado, que, ao que tudo indica, tem em mente uma ordem completamente nova na Europa, dominada pela Rússia. O Ocidente deve agora se unir contra o agressor. Pois Vladimir Putin não passa disso.
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Jens Thurau é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.