Há sempre algo de cafona no ar quando um casal de mais idade renova seus votos conjugais, quando procura superar as fases da indiferença e das crises, para, num ato simbólico, mais uma vez consolidar sua parceria.
Com as nações, não é diferente: sobe rapidamente à cabeça o champanha que se gosta de servir nessas ocasiões, mas seu efeito passa logo. E assim, nesta terça-feira (22/01), em Aachen, a Alemanha e a França brindaram mais uma vez à parceria bilateral. E não se trata apenas de pura contemplação do umbigo.
Um dos princípios fundamentais da política externa alemã sempre foi evitar uma situação em que o país precisasse optar entre os Estados Unidos e a França. Desde 1949, esse princípio se infiltrou por todas as coalizões e gabinetes, e continuou valendo a partir de 1990, quando a Alemanha reconquistou sua soberania. Mas agora a balança parece pender claramente numa direção: em favor da França.
Não foi uma decisão provocada intencionalmente, pelo menos no que tange a Berlim. Contudo, nos últimos dois anos os pesos se deslocaram dramaticamente. O transatlantismo pode ainda não estar caído por terra, porém – graças a Donald Trump – está gravemente ameaçado de desmoronar. Pois, à medida que os americanos empregam cada vez menos capital político no cuidado de suas alianças, cresce o estranhamento entre os parceiros decepcionados, começa a recalibragem das ligas.
O Tratado do Eliseu, agora renovado na cidade alemã de Aachen, era, em seu cerne, um pacto de reconciliação entre dois países que, num espaço de 75 anos, travaram três guerras devastadoras entre si. A esse tratado, os alemães ainda acrescentaram apressadamente um preâmbulo reconhecendo o significado das relações transatlânticas.
O "Tratado de Aachen" dispensa esse tipo de digressão. Ele reafirma devidamente o que foi alcançado, porém dedica um número inusitadamente grande de parágrafos à ação política conjunta – a projetos de cooperação militar, a campos de ação internacional, a instituições como o Conselho de Segurança da ONU.
Um tanto enigmática é a formulação do Artigo 4º do novo tratado. Nele, Berlim e Paris reforçam a promessa de assistência militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – coisa totalmente desnecessária, se fosse inquestionável. Contudo, desde que o atual presidente dos EUA começou a brincar com a ideia de retirar seu país da Aliança Atlântica, todas as certezas políticas a esse respeito estão em regime de reavaliação.
Alemães e franceses constatam que "aproximam cada vez mais" suas respectivas "metas e estratégias na política de defesa". Em ambos os países, há muito se considera se e como a França poderia contribuir à parceria com seu potencial nuclear. Para a Alemanha, não é fácil enveredar por tais raciocínios estratégicos.
Para o lado francês, porém, o que acontece agora em Aachen é uma questão de coração. Nunca, na história do país, houve um governo tão fixado na parceria com a Alemanha. Caso o presidente Emmanuel Macron fracasse – e com ele o projeto franco-alemão –, aí a União Europeia fracassará. Aí, teriam boas chances à presidência francesa tanto o populista de esquerda Jean-Luc Mélenchon quanto a ultradireitista Marine Le Pen, ambos antigermânicos e nacionalistas.
A politicamente abalada chanceler federal alemã, Angela Merkel, fez esperar muito com sua resposta à iniciativa europolítica de Macron, causando certo mal-estar em Paris. No novo Tratado do Eliseu, ela agora dá essa resposta. Se esse pacto for preenchido de vida, alemães e franceses terão dado um grande passo na política da UE, seria como uma segunda primavera política. Por que Paris e Berlim não teriam sucesso em algo que tantos casais de mais idade conseguem?
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