Uma vitória é uma vitória – é o que se pensaria. Assim como que quem perde numa eleição é aquele que recebe menos votos. E vice-versa. Mas no estado de Nova York – onde, nesta terça-feira (19/04), republicanos e democratas escolhem seus pré-candidatos favoritos –, é diferente. Como tantas outras coisas nesta campanha presidencial, em que antigas certezas há muito deixaram de valer.
Para ambos os principais pré-candidatos, uma vitória apertada não é melhor do que uma derrota por pequena margem. Donald Trump só tem uma chance realista de ser nomeado candidato à Casa Branca na convenção partidária se conquistar pelo menos o número mágico de 1.237 delegados. Para tal, precisa vencer o oponente Ted Cruz com larga vantagem. Senão, fica difícil para ele.
Para Hillary Clinton a situação é diferente. Graças ao apoio dos superdelegados, ela conta com ampla dianteira. Do ponto de vista puramente matemático, o adversário Bernie Sanders não tem mais como representar um perigo para ela, que por vários anos foi senadora de Nova York. Uma vitória apertada no estado mudaria tão pouco nessa proporção quanto uma derrota por margem pequena.
E, no entanto, estas primárias têm imenso significado psicológico, sobretudo para a ex-secretária de Estado. Obter apenas uma ligeira dianteira em Nova York equivaleria para ela a uma derrota. E ela precisaria se perguntar seriamente como será possível vencer as eleições presidenciais em novembro, sem conseguir dominar nem mesmo no Estado onde foi senadora por oito anos.
Se ela perder, então, isso poderia precipitar os democratas numa crise existencial semelhante àquela em que atualmente se veem muitos republicanos. O que acontecerá se Sanders simplesmente não desistir e continuar conquistando delegados? E se, no fim das contas, Clinton só conseguir manter sua vantagem dentro do partido graças aos superdelegados? Esse seria um argumento forte para os que o acreditam que, no fim das contas, o eleitor só tem poder de decisão quando vota como deseja o establishment.
Essa possibilidade, por si, é veneno para um processo democrático, pois rouba de muitos a confiança de estarem participando de um pleito honesto, de verdade. E porque, assim, acaba rompendo a promessa primordial da democracia, de que o poder está nas mãos do povo.
Caso Clinton perca de fato em Nova York, a rigor só haveria uma possibilidade de evitar um desastre para os democratas – e ela é inconcebível: que a ex-secretária de Estado retirasse sua candidatura.
O partido Republicano já está debatendo um dilema gerado por outras estruturas, mas que toma forma semelhante: o que deve fazer a liderança partidária com o candidato Trump – rejeitado por grande parte dos correligionários, mas que muito provavelmente alcançará mais votos do que todos os concorrentes –, se ele não obtiver a maioria absoluta dos delegados?
O êxito dos outsiders Trump e Sanders mostra o que pode acontecer quando o veneno da desconfiança se alastra numa sociedade democrática. E ao que leva as pessoas a sensação de não serem escutadas pelos que estão no poder e de que sua possibilidade de escolha foi traída.
Aí é a hora dos populistas, capazes de alcançar os cidadãos com promessas e verdades simples, e com uma campanha eleitoral mesquinhamente pessoal. Aí a quebra de tabus se transforma num fim em si mesma ao se apresentar, em primeira linha, como antítese à realidade existente. Aí caem as necessárias barreiras do que é permissível, vendidas como golpes de libertação em relação ao malévolo establishment.
Nos Estados Unidos, essa dinâmica tem muito a ver com as estruturas dos partidos e dos processos políticos – mas não só. Também relevante é o fato de, entre os candidatos de ponta nessa maratona eleitoral, encontrarem-se políticos como Hillary Clinton e Jeb Bush, que encarnam uma noção quase dinástica de democracia.
Isso é perigoso. Pois processos democráticos saudáveis, vitais, se nutrem de reais possibilidades de escolha – e não da falta de alternativas.