Ainda é cedo demais para fazer o necrológio da República Islâmica do Irã. Desde que os guardas revolucionários admitiram ter derrubado acidentalmente o avião de passageiros ucraniano e ocultaram o fato por três dias, muitos iranianos estão comparando o ocorrido ao desastre nuclear de Chernobyl, em abril de 1986.
Na ocasião, a liderança soviética proibiu por vários dias a divulgação da notícia. Em retrospecto, a catástrofe e a forma como foi tratada tornaram-se símbolo do fracasso da União Soviética, cuja desintegração se fez notar mais de três anos depois. Isso não precisa, necessariamente, se repetir no Irã.
Os paralelos com a Revolução Islâmica também são prematuros: em fevereiro de 1979, as forças de segurança não mais disparavam contra manifestantes. E cada vez mais membros seus passaram a desertar para o lado dos revolucionários, que tinham no aiatolá Khomeini uma figura carismática, em torno da qual todos se uniram.
Tais pré-requisitos para uma revolução bem-sucedida não existem hoje. Porque os guardas revolucionários que marcaram a guerra contra o Iraque entre 1980 e 1988 estão determinados a continuar atirando em manifestantes. Eles são incondicionalmente leais ao sistema do qual também tiram vantagens econômicas.
Os manifestantes não têm capacidade de reunir uma massa crítica que se contraponha a esse poder. E tampouco possuem um líder em torno do qual todos possam se aglomerar. No entanto o ritmo dos protestos na República Islâmica do Irã está se acelerando, os slogans assumem tons mais radicais, e as manifestações se tornando mais sangrentas.
A primeira grande manifestação, em 1999, durou uma semana – os estudantes protestaram contra o fechamento de um jornal reformista. Seu protesto nas proximidades da Universidade de Teerã foi reprimido. Dez anos depois, após a reeleição manipulada do presidente Mahmoud Ahmadinejad, principalmente manifestantes da classe média e os Bassiji, a milícia dos voluntários revolucionários, travaram batalhas de rua pela primeira vez em Teerã.
Três milhões se manifestaram pacificamente, exigindo que a eleição fosse cancelada. Mas eles tampouco formaram uma massa crítica capaz de abalar a República Islâmica. Na virada de 2017/18, pela primeira vez, dezenas de milhares de iranianos majoritariamente pobres saíram às ruas de todo o país para protestar contra a inflação alta e o desemprego. E em novembro de 2019 a triplicação dos preços da gasolina, anteriormente muito baixos, provocou a maior onda de protestos até então.
Em todas as províncias, tanto em grandes quanto em pequenas cidades, a população protestou contra a liderança da República Islâmica. Foram incendiados prédios dos bancos estatais e das forças de segurança, que dispararam brutalmente, matando mais de mil manifestantes.
Os recentes protestos após a derrubada do avião ucraniano partiram de duas universidades de Teerã, onde se realizaram vigílias pelas vítimas. A centelha não se espalhou para outras camadas da população, e só chegou a algumas outras cidades. Embora as forças de segurança tenham usado gás lacrimogêneo e balas de espingarda, eles não usaram munição viva, como em novembro. O protesto arrefeceu rapidamente.
O abate do avião de passageiros sem dúvida acelerou a erosão da confiança na República Islâmica. No entanto, Khamenei, o líder revolucionário de 80 anos, não está mostrando nenhuma disposição de tirar conclusões disso e dar início a reformas. Pelo contrário, o Conselho de Guardiões desqualificou muitos candidatos para a eleição geral em 21 de fevereiro, e mesmo um terço dos atuais parlamentares não está mais autorizado a concorrer.
Khamenei quer garantir que uma nova geração de jovens deputados, leais a ele e aos princípios da revolução, controlem o Parlamento em Teerã – o qual pouco tem a dizer, de qualquer forma. Embora a sociedade do Irã esteja em alvoroço, um colapso da República Islâmica não é iminente, pelo menos num futuro próximo.
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