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Opinião: Eurocéticos britânicos lucram com crise em Calais

Laura Kelleher7 de agosto de 2015

É difícil para os que querem a permanência do país na UE argumentar com os vídeos de migrantes arriscando a vida para atravessar o Eurotúnel, opina Laura Kelleher, especialista em política do Reino Unido para a Europa.

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Foto: picture-alliance/empics/Y. Mok

As chocantes imagens dos acampamentos de refugiados em Calais – que, segundo o noticiário, abrigariam até 5 mil pessoas – e as cenas de migrantes invadindo o Eurotúnel podem ser um trunfo decisivo para a nascente campanha no Reino Unido de "não" à União Europeia. Uma coisa é certa: os partidários do "sim" vão ter que lutar muito para conseguir imagens que deem força equivalente a seus argumentos.

Mas não são só as imagens de Calais a trazer problemas para o primeiro-ministro britânico, David Cameron. Mesmo sem "os melhores momentos" dos refugiados em vídeo, a campanha pela retirada do Reino Unido da UE já se beneficiará dos exacerbados e frequentemente emocionais termos do debate sobre a imigração.

Nos anos seguintes à rodada de ampliação da UE em 2004, os ativistas eurocéticos – em especial o Partido da Independência do Reino Unido (Ukip), de Nigel Farage – têm conseguido associar as apreensões da população pelos níveis de imigração à filiação europeia do país.

Europarat - Laura Kelleher EINSCHRÄNKUNG
Laura Kelleher, especialista em política do Reino Unido para a UE no European Council on Foreign RelationsFoto: Laura Kelleher

Até 2004, poucos falavam de imigração em termos da participação britânica na UE. A livre-circulação era vista como positiva para o país ou, no mínimo, um benefício mútuo. Nos sete anos seguintes à rodada de ampliação, mudaram-se para o Reino Unido cerca de 1,5 milhão de cidadãos dos oito novos Estados-membros da UE no Leste Europeu (Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, República Tcheca, Hungria, Eslováquia e Eslovênia).

Londres não contava com uma taxa de imigrantes tão alta – consta que se se esperava um máximo de 10 mil ingressos por ano –, nem previra o que ela representaria para o debate nacional sobre o tema. Consequentemente, tanto o Partido Trabalhista quanto o Conservador deixaram circular por tempo demasiado, sem rebater, a versão de que a filiação à UE teria privado os britânicos do controle sobre as próprias fronteiras.

Embora haja poucos indícios de que uma saída britânica da UE venha melhorar a situação, os eurocéticos insistem na ideia totêmica de que o Reino Unido perdeu o controle das fronteiras nacionais. O fato de a maioria dos migrantes tentando chegar ao país através de Calais vir de fora da UE não impede que a situação seja usada no debate maior sobre imigração e filiação europeia.

Os pró-europeus precisam encontrar meios de mostrar que um abandono da UE não mudaria os fatos concretos. Migrantes de fora do bloco europeu continuarão fazendo a viagem até Calais, e, sem um controle de fronteiras britânicas na França, Calais se transferiria de fato para Dover.

O conjunto de grupos que, nos próximos meses, vai formar uma campanha do "sim" à UE desempenhará papel importante nesse aspecto. Essa campanha terá mais flexibilidade e cobertura política do que Cameron para argumentar. E terá que começar por estabelecer que o Reino Unido não está sozinho ao enfrentar esse problema, mas que se trata de uma crise global de migração.

Afinal de contas, segundo dados da Organização das Nações Unidas, em 2014 a Alemanha recebeu 203 mil requerimentos de asilo de não europeus, seguida por Suécia, Itália, França, Hungria e, por fim, Reino Unido. É preciso uma estratégia comum na UE. Mas antes disso são necessários debates honestos sobre a migração de não cidadão da UE, assim como um diálogo realista quanto à divisão da carga migratória.

O Reino Unido – assim como outros Estados-membros – não pode se dar ao luxo de olhar para o outro lado quando se trata de encarar a crise na vizinhança europeia. Ao mesmo tempo, Cameron e seus colegas da UE não poderão prosseguir para as negociações de mais longo prazo, sobre como combater a instabilidade na região, até terem pelo menos começado a atender às preocupações de seus eleitorados nacionais.

Nos preparativos para o referendo sobre a permanência na UE, planejado para antes do fim de 2017, não será um grande consolo para Cameron e os pró-europeus saberem que não estão sós ao enfrentar essa tarefa.