Opinião: Genocídio jamais prescreve
É relativamente raro um tribunal alemão pronunciar uma sentença mais severa do que a solicitada pela promotoria. No caso Oskar Gröning, porém, esse é um detalhe insignificante. Pois comparada ao crime – cumplicidade no assassinato de 300 mil pessoas –, a pena, seja de quatro ou de três anos e meio de prisão, parece irrisória.
Além disso, condenar um réu de 94 anos de idade a vários anos de cárcere é quase tão absurdo quanto as fantasiosas penas de mais de 100 anos que vários países impõem, por exemplo, a assassinos em série. E, uma vez que a Alemanha moderna mantém um sistema penal bastante humano, de qualquer modo é mais do que improvável que o nonagenário Gröning vá sequer dar entrada no presídio, dado o seu estado de saúde debilitado.
Portanto, o significado dessa sentença é puramente simbólico: ela é, em primeiro plano, um resgate da honra da Justiça alemã. Uma Justiça que cuidou para que, dos cerca de 7 mil agentes da SS ativos no campo de extermínio de Auschwitz, nem mesmo 100 fossem a tribunal. Uma Justiça que, tendo aberto inquérito contra Oskar Gröning já em 1977, arquivou o processo em 1985 – por falta de provas suficientes para confirmar as suspeitas, conforme alegou na época a promotoria pública de Frankfurt.
Isso, apesar de já na década de 60 serem conhecidos tantos nomes de numerosos criminosos de Auschwitz, que, portanto, poderiam ter sido levados às barras da lei numa idade bem menos avançada. Assim como Oskar Gröning, muitos deles não se escondiam, levando uma vida perfeitamente normal na Alemanha, e falando abertamente sobre o que haviam feito e vivenciado. Mas ninguém na Justiça alemã quis indiciá-los.
A causa de tal inação foi diagnosticada pela primeira vez em 1987, no livro de Ingo Müller Furchtbare Juristen – Die unbewältigte Vergangenheit unserer Justiz (Juristas do horror – O passado não superado de nossa Justiça, em tradução livre). Nele, o autor analisa detalhadamente os crimes dos juristas no nacional-socialismo, apontando como muitos dos antigos criminosos passaram imediatamente para o serviço público da República Federal da Alemanha. A leitura vale a pena até hoje.
A realização do julgamento de Oskar Gröning e a forma como ele transcorreu tem, em parte, a ver com o fato de estar agora na ativa uma nova geração de juízes e advogados. Acima de tudo, porém, o processo foi possível graças ao empenho de uns poucos juristas, alguns deles aposentados de longa data, que não relaxam na persecução dos criminosos nazistas. Eles cuidaram, por exemplo, para que durante o inquérito tenham sido ouvidas muito mais testemunhas do que o necessário para provar a culpa de Gröning.
Foi sobretudo nesse ponto que se manifestou o maior valor simbólico do processo: dar aos igualmente idosos sobreviventes de Auschwitz a oportunidade – provavelmente sua última – de relatar abertamente sobre seu sofrimento e tê-lo registrado em tribunal. Para muitos deles isso foi muito mais importante do que a sentença agora pronunciada.
O próprio Oskar Gröning também deu uma contribuição importante para o simbolismo desse processo. Ao contrário de outros réus em inquéritos anteriores sobre os crimes do nazismo, ele não rebateu nem negou nada, mas sim reconheceu sua culpa de forma explícita e inequívoca. "Auschwitz foi um lugar em que não se deveria ser colaborador": essa frase de Gröning em seu depoimento final deveria soar nos ouvidos de todos os neonazistas e negadores do Holocausto.
Contudo, a mensagem realmente decisiva desse veredicto permanece sendo que genocídio e crimes contra a humanidade não prescrevem nunca. Quem participa deles, mesmo que seja indiretamente, não deve poder jamais se sentir a salvo de uma punição.