Opinião: Jerusalém, Trump e o eleitorado evangélico
11 de dezembro de 2017Os lobistas da organização liberal-sionista J Street realizaram em 2014 uma pesquisa de opinião entre os judeus americanos quanto à sua posição sobre a região Israel-Palestina. Segundo o levantamento, 80% dos entrevistados disseram defender uma solução de dois Estados, 72% afirmaram apoiar Jerusalém Oriental como capital de um Estado palestino independente ao lado de um Israel soberano.
A organização conservadora-sionista Comitê Judaico Americano (AJC, na sigla em inglês) chegou a resultados semelhantes quando indagou sobre a mudança da embaixada americana para Jerusalém: de acordo com sua pesquisa de 2017, apenas 16% disseram apoiar essa medida, enquanto 44% responderam que desaprovavam totalmente a transferência e 36% disseram aceitar tal passo somente numa data posterior, quando a paz já reinar na região Israel-Palestina.
Com seus cinco a sete milhões de membros, a comunidade judaica americana é a maior do mundo. Seu número ultrapassa até mesmo a quantidade de judeus no Estado de Israel, de acordo com várias estatísticas. Eles são considerados liberais e votam, tradicionalmente, nos democratas: em 2016, 71% dos judeus dos EUA votaram em Hillary Clinton. Em 2008, Barack Obama desfrutou o apoio de 78% dos americanos de fé judaica.
A mensagem dos judeus americanos fala por si: mesmo que Jerusalém seja a capital espiritual do judaísmo, ainda não chegou a hora de declará-la capital do Estado de Israel, porque isso só aprofunda o conflito. No dia do anúncio de Donald Trump, a União pela Reforma do Judaísmo (URJ, na sigla em inglês), maior associação religiosa judaica do mundo, divulgou um comunicado em que expressava a sua preocupação de que, com esse "passo inoportuno", a Casa Branca estaria "minando o processo de paz" e "piorando o conflito".
Apesar das críticas, Trump se referiu aos judeus em muitos discursos, encenando-se como suposto defensor dos interesses judaicos. Falando no congresso da organização lobista conservadora-sionista Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense (Aipac, na sigla em inglês), o presidente americano assinalou que Jerusalém seria "a eterna capital do povo judeu" e que ele atuaria em nome dos judeus. Em seu discurso, ele falou com entusiasmo até mesmo de sua filha Ivanka, que estaria esperando um "bebê judeu" e que esse bebê também iria se alegrar com Jerusalém como capital.
Em última análise, no entanto, o presidente americano não atua em prol da maioria dos judeus do país, mas com o aplauso dos evangélicos, os fundamentalistas cristãos.
A maioria dos líderes cristãos também condenou a transferência da embaixada americana para Jerusalém. Tanto o papa Francisco quanto as comunidades cristãs ortodoxas advertiram o presidente a não dar esse passo. Mas não os evangélicos: apesar das diferentes correntes dentro do fundamentalismo cristão-protestante, num ponto eles estão mais ou menos de acordo. Eles querem provocar o caos em Israel/Palestina, promovendo assim a chamada Batalha do Apocalipse, o Armagedom político em torno de Jerusalém.
A maior organização sionista do mundo também vem da ala evangélica, a Cristãos Unidos por Israel (Cufi, na sigla em inglês) com mais de dois milhões de membros. Os seus maiores doadores apoiam projetos que produzam uma imagem bastante positiva de Israel, para que mais e mais judeus se mudem para lá. De acordo com a sua visão teológica, todos os judeus do mundo devem se reunir ali, para que o Messias possa vir. E, quando isso acontecer, todos os judeus irão se converter ao cristianismo.
Trata-se de uma noção teológica que pode ser perfeitamente interpretada como antissemita, porque, em última análise, ela não defende somente uma diáspora livre de judeus, mas, ao mesmo tempo, que o judaísmo não é uma verdadeira religião e sim uma comunidade religiosa desatualizada, que seria superada em sua passagem para o cristianismo.
A crise no Oriente Médio é frequentemente retratada como um conflito entre judeus e muçulmanos. Nesse contexto, a decisão de Trump por Jerusalém vai contra os interesses da maioria dos judeus nos EUA. O presidente americano quis agradar somente ao seu eleitorado evangélico fundamentalista. A influência de grupos de orientação apocalíptica nas relações internacionais não deve ser subestimada.
Nascido em 1990, Armin Langer estudou filosofia e teologia judaica em Budapeste, Jerusalém e Potsdam. Ele é autor do livro Um judeu em Neukölln e vive atualmente em Berlim como jornalista.
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