1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Opinião: Nuvens sombrias sobre acordo UE-Turquia

22 de maio de 2016

Por não conseguirem resolver sozinhos o problema migratório, os dirigentes europeus se colocaram nas mãos do autocrático presidente Erdogan. Um passo que pode se provar fatídico, opina o jornalista da DW Bernd Riegert.

https://p.dw.com/p/1Isdq
Bernd Riegert, jornalista da DW
Bernd Riegert é jornalista da DW

A política da União Europeia para refugiados e asilo está sob forte pressão de diversos lados. De fato, o acordo entre a Turquia e o bloco europeu cuidou para que diminuísse significativamente o número de migrantes que arriscam a travessia pelo mar Egeu, da Turquia até as ilhas gregas.

Contudo, nelas continua reinando um degradante caos. Ancara cumpriu sua parte, a UE, não. Os países-membros não enviaram suficiente pessoal de apoio à Grécia. E esta é incapaz de organizar seus procedimentos de registro.

Dois meses atrás, os chefes de Estado e de governo prometeram que agora tudo andaria rápido. Mas isso não aconteceu. Fatidicamente, a UE confia que o problema foi transferido para os turcos com sucesso. A realocação de refugiados e requerentes de asilo diretamente da Turquia, mas também a redistribuição a partir da Grécia e Itália para outros Estados da UE transcorrem com muito mais lentidão do que se deliberou e anunciou dezenas de vezes.

Entre os países-membros não se percebe solidariedade – esse tantas vezes invocado valor europeu. A maioria deles procede segundo o lema: tudo bem, contanto que ninguém venha mais para cá. Depois de mim, o dilúvio.

Agora a Grécia está basicamente sozinha com os refugiados. O mesmo ameaça ocorrer com a Itália, caso volte a crescer o número dos que chegam pelo sul do Mar Mediterrâneo. A política da UE para refugiados se resume a isolar-se, sem que sejam criadas possibilidades legais para eles entrarem na Europa em caráter duradouro.

Pode-se também, eufemisticamente, denominar isso de proteção de fronteiras externas. Como vários governos não confiam nessa proteção, eles também bloqueiam as fronteiras internas com outros Estados da UE. A Hungria, Áustria, Dinamarca e também a Alemanha já deram o mau exemplo.

O trancamento mais ou menos bem sucedido do flanco sudeste tem apenas um enorme "defeitinho" para a UE: agora ela está inteiramente dependente da Turquia. O presidente Recep Tayyip Erdogan, com sua tendência à megalomania política, ameaçou, há apenas poucos dias, inverter a marcha, "soltando os refugiados", caso a UE não faça o que ele quer.

Contudo, os acontecimentos na política interna turca – neutralização do Parlamento, estatização da mídia, repressão à liberdade de opinião, aplicação de duvidosas leis antiterrorismo – tornam cada vez mais difícil para a UE se ater a um acordo com Erdogan.

A exigência de Ancara de isenção de vistos de entrada na UE para seus cidadãos se configura como prova de fogo para os europeus. Se o país não mudar suas leis, o Parlamento Europeu não pode aprovar a isenção. Caso esta não se concretize, o presidente turco vai anular o pacto sobre os refugiados.

Aí a UE estaria diante de um verão de crise como o de 2015. Além disso, o tempo está correndo: dificilmente será possível cumprir o prazo previsto para a entrada em vigor da liberação de vistos, em julho, diante de todos os problemas por resolver.

Por serem incapazes de resolver por si a crise migratória, os discordantes chefes de Estado e governo da UE se colocaram nas mãos de um arremedo de sultão da Turquia, imprevisível e, ainda por cima, resistente a críticas. É possível que em breve isso tenha uma amarga consequência. Essa "solução europeia", fortemente ditada pela pena da chanceler federal alemã, Angela Merkel, poderá em breve cair na cabeça dela.

Bernd Riegert
Bernd Riegert Correspondente em Bruxelas, com foco em questões sociais, história e política na União Europeia.