Perto do fim da Segunda Guerra, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht publicou a obra A Vida de Galileu, na qual seu Galileu proclama a seguinte frase notória: "Miserável o país que precisa de heróis." Uma sentença com a qual o escritor perseguido pelos nazistas denuncia o exagerado culto a heróis em Estados não livres.
Brecht tinha a profunda convicção de que as pessoas num país liberal e democrático não precisam do heroísmo de alguns para resolver problemas. Pelo contrário: a responsabilidade individual é grande, enquanto a adoração heroica equivale à obediência cega que leva, em certa medida, a uma autodeterminada incapacitação.
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Há exatos 50 anos, foi assassinado Martin Luther King – o pregador negro que nunca desistiu de lutar contra a injustiça, a Guerra do Vietnã e por condições de trabalho igualitárias para os negros. Um pregador que permaneceu pacífico apesar de toda a violência imposta contra ele e seus seguidores e que até hoje dá coragem àqueles insatisfeitos com o status quo e que acreditam que uma vida melhor é possível.
Há poucos dias, centenas de milhares de manifestantes protestaram em Washington e em muitas outras cidades dos Estados Unidos contra a influência do lobby da indústria armamentista na política americana. O movimento foi liderado e organizado por estudantes de Parkland, na Flórida, que sobreviveram a um massacre na própria escola.
Evidentemente, eles se reuniram inspirados pelas palavras de Martin Luther King e deixaram sua neta Yolanda Renee King, de nove anos, dizer a famosa frase: "Eu tenho um sonho." E com Emma González, de 18 anos, o movimento tem uma mulher na liderança – uma espécie de versão jovem, feminina e moderna de Martin Luther King.
Heróis como Martin Luther King não levam à obediência cega. Pelo contrário, eles encorajam e fortalecem o indivíduo. Eles permitem que por trás deles surjam comunidades, que são mais fortes juntas do que indivíduos e, dessa forma, conseguem conquistar um público e influência política.
Mas, acima de tudo, heróis como Martin Luther King dão esperança. A esperança de que vale a pena sair da própria zona de conforto, mostrar coragem cívica e solidariedade, criar redes de contatos e não desistir. Heróis assim agitam as zonas de bem-estar dos privilegiados, pedem que estes se envolvam.
E é precisamente dessa energia que a Alemanha e muitos outros países europeus precisam para não perder a esperança em meio à complexidade deste mundo e ao aparente desalento em muitos conflitos. É vital manter a crença na força e no potencial de um Estado democrático. Um Estado que precisa de cidadãos dedicados para funcionar e que não se acomoda numa suposta falta de alternativas.
Hoje, Martin Luther King é celebrado em todo o mundo. Não apenas porque ele alcançou grandes feitos ao longo da vida, mas porque ainda é necessário.
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