Não é possível contar sobre as décadas de lutas da sociedade civil iraniana sem destacar a excepcional contribuição que as mulheres deram – e seguem dando. Há mais de 40 anos, elas são o maior grupo reprimido, discriminado e humilhado do Irã. Ao mesmo tempo, foram as primeiras a se defender corajosamente contra a liderança da Revolução Islâmica, enquanto intelectuais e políticos do sexo masculino se calavam.
Quase quatro décadas transcorreram dessa maneira, até que, em 2017-2018, manifestações públicas isoladas pela primeira vez colocaram em questão a legitimidade do regime islâmico. O que se presencia agora, contudo, é inédito, nessa forma: é a confrontação unida da população civil contra os mulás no poder. A morte de Jina Mahsa Amini bate de volta no sistema como um bumerangue, o protesto une todos os grupos até então empurrados para as margens e retorna à origem do descontentamento: a libertação das mulheres no Irã.
E agora é hora de o Ocidente falar em linguagem clara. Invólucros verbais vazios, exigências diplomáticas ou advertências frouxas não bastam, nem de longe. Nunca bastaram, mas agora estamos numa encruzilhada: a comunidade internacional precisa se colocar do lado da população iraniana com toda força, ameaçando com consequências rigorosas. Se necessário, com a suspensão das negociações sobre o programa nuclear de Teerã.
Ocidente trata Irã com luvas de pelica
Os governantes iranianos nunca empregaram uma linguagem civilizada de conciliação e moderação, e não levam a sério quem a emprega. Eles não têm medo de sanções simbólicas, aguentaram até mesmo um embargo de petróleo. Continuando-se a confrontá-los apenas com simbolismo, eles não hesitarão nem um momento em seguir matando para se manter no poder.
Eles sabem que, depois de um certo tempo, a real política de muitos países voltará a entrar em contato para negociar. Eles interpretam como um presente os longos anos de contemporização do Ocidente contra a expansão no Oriente Médio. O Irã não recua diante de operações de terror estatal em todo o mundo, em especial em países europeus. Os detentores de poder do Irã veem como seu "privilégio especial" poder ameaçar a existência de Israel e a falta de reação resultante.
O fato é que, em comparação com a Líbia de Muammar Kaddafi, o Iraque de Saddam Hussein e a Síria de Bashar al Assad, o Ocidente tem tratado com luvas de pelica o Irã de Ali Khamenei. Isso deixou a República Islâmica tão atrevida, que ela se permite continuar despreocupada com o massacre de seus próprios cidadãos.
O único ponto vulnerável do regime iraniano
No entanto, a República Islâmica teme que seu dossiê retorne a consideração perante o Conselho de Segurança da ONU. Recentemente, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) constatou que o Teerã não está disposto a prestar contas sobre seu programa nuclear e os vestígios de urânio enriquecido em três locais do país. Paralelamente, já há meses o regime brinca de gato-e-rato em suas negociações com o Ocidente, a fim de ganhar tempo para construir a bomba atômica.
O Ocidente teria razões mais do que suficientes para detonar as negociações com o Irã e iniciar o processo para retomada das sanções das Nações Unidas, o assim chamado "snapback". Essa seria a única mensagem que Teerã é capaz de entender e temer. Só assim não seria sufocda no berço a revolta civil do povo iraniano, com as mulheres no front avançado. Só sob esse tipo de pressão, o supremo líder religioso Ali Khamenei ordenaria o fim do assassinato dos manifestantes.
O mesmo se aplica ao atual presidente, Ebrahim Raisi: ele certamente não ousaria mandar mais uma vez executar milhares de presos em pouquíssimo tempo, como fez em meados de 1988.
O regime dos mulás em Teerã deve se sentir encurralado pelo mundo. Senão, o que ficará na memória das iranianas e iranianos será só o silêncio internacional e a cumplicidade tácita do Ocidente. Isso seria irresponsável. Não: seria imperdoável.
Behnam Bavandpour é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.