Pós-factual. Com sua escolha, a Sociedade da Língua Alemã (GfdS) está em boa companhia. Pois, há quase um mês, o termo correspondente em inglês, post-truth, foi escolhido palavra do ano pelo departamento da universidade de Oxford responsável pelo conceituado Oxford Dictionary. E até mesmo a chanceler alemã usou o termo. Em setembro, imediatamente após a eleição regional em Berlim, Angela Merkel justificou a perda de votos de sua CDU e os ganhos da populista AfD com a frase "vivemos em tempos pós-factuais". Ela quis dizer que as pessoas preferem seguir seus sentimentos aos fatos. Do contrário, teriam votado na CDU.
Mas quem fala em pós-factual tem que primeiro pensar em Donald Trump. De acordo com o portal Politfact, especializado em checar a veracidade de notícias, 70% de suas declarações eram falsas ou absurdas e outras 15%, meias verdades. Ainda assim, ele ganhou uma eleição presidencial. E, com suas declarações falsas, Trump – assim como seus irmãos de espírito Boris Johnson, Marine Le Pen e Frauke Petry – sabe emocionar pessoas, por um lado, e confundir nós, jornalistas, os verificadores profissionais dos fatos, por outro.
Esse jogo de tartaruga e lebre se chama "too fast to check" (rápido demais para verificar). Nós ainda estamos apurando o primeiro absurdo e Trump já está disseminando, via Twitter, o próximo a seus 17 milhões de seguidores. A título de comparação: a tiragem do New York Times é um décimo disso.
Mas aqueles que xingam as malvadas redes sociais, nas quais qualquer idiota pode disseminar os maiores absurdos e a incitação ao ódio mais repulsiva, veem a coisa de forma muito simplista. É verdade que Facebook e assemelhados reforçam a tendência das pessoas de absorverem só o que escrevem aqueles que têm a mesma opinião que elas, fazendo com que elas permaneçam numa câmara de eco, onde seus próprios argumentos são reforçados e os contra-argumentos, ocultados. Mas ninguém é impedido de verificar, também nas próprias redes sociais, o que dizem aqueles que têm opinião diversa sobre determinado fato.
É verdade que isso dá trabalho. Ou, como escreveu Immanuel Kant: "É tão cômodo ser imaturo" [ou seja, é mais cômodo ser conduzido pelos outros do que formar uma compreensão própria dos fatos]. Olhar vídeos de gatos é mais cômodo do que se informar sobre as causas da crise de refugiados ou das alterações climáticas. Não nos esqueçamos que o pensamento autônomo é, de acordo com a visão de Kant, a base para o que é enfaticamente chamado de "esclarecimento" [Iluminismo] e que é a base das sociedades democráticas.
E isso nos leva à mídia tradicional. Pois a tarefa essencial dela é informar de forma correta e precisa sobre os processos sociais e explicá-los, fornecendo assim o pré-requisito para a tomada de decisões políticas pela população. É o chamado "quarto poder". E aqui temos que admitir de forma autocrítica: nós, jornalistas, também estamos presos em câmaras de eco. Devemos também, como diz Alexander Kluge, reaprender a ler a escrita na parede.
Nós também gostamos de olhar para os faiscantes produtos de alta tecnologia do Vale do Silício e somos relutantes em olhar para a maneira muitas vezes desumana com que eles são produzidos – a milhares de quilômetros de distância. Nós também noticiamos de forma neutra e fria quando a empresa X ou Y elimina milhares de postos de trabalho e acompanhamos muito pouco o destino e os sentimentos daqueles que ficaram sem trabalho.
Uma coisa é clara: a palavra "pós-factual" é um disparate. Ela confunde, como se houvesse existido uma época factual, na qual mentira e propaganda eram claramente distinguíveis da verdade. Desde sempre, fatos são distorcidos e, se necessário, forjados abertamente para defender interesses. Portanto, a escolha da palavra do ano de 2016 deve ser entendida como um apelo: pois toda sociedade livre é baseada em um discurso livre. E este se baseia na liberdade de expressão e de imprensa. Defendê-las e usá-las com responsabilidade é dever de todos nós, não importa se somos políticos, jornalistas ou usuários do Facebook.