Quando Boris Johnson sobreviveu no início do mês a um voto de desconfiança na Câmara dos Comuns sobre suas festas durante o lockdown da pandemia, as análises sobre seu futuro político se dividiram. Alguns acreditavam que ele poderia relaxar e que seu poder estava assegurado. Outros temiam que ele agisse de forma ainda mais descontrolada sob a pressão do próprio partido. Os céticos infelizmente estavam certos, porque o primeiro-ministro agora está desmantelando com uma motosserra política, de forma arbitrária, o protocolo da Irlanda do Norte, a parte mais sensível do tratado do Brexit.
Nenhuma violação "trivial" do tratado
Os tratados internacionais são vinculativos e não podem ser alterados unilateralmente. Sob o direito internacional, a violação de um tratado nunca pode ser "trivial", como afirma Boris Johnson, porque destrói a confiança dos Estados. Mas, aqui também, o primeiro-ministro acha que pode desrespeitar as regras. Ele simplesmente inventa uma espécie de "cláusula de emergência" para anular o protocolo da Irlanda do Norte. Supostamente, o tratado não funcionaria e dificultaria a troca de mercadorias entre o Reino Unido continental e a Irlanda do Norte.
Uma breve lembrança sobre esta que foi a parte mais difícil das negociações do Brexit: o objetivo era não criar uma fronteira entre a República da Irlanda, que é um país-membro da União Europeia (UE), e a britânica Irlanda do Norte, de modo a preservar o Acordo da Sexta-feira Santa. Ao mesmo tempo, a UE queria salvaguardar seu mercado único e suas regras para que as mercadorias não pudessem fluir descontroladamente do lado britânico para o lado europeu. O que surgiu foi um compromisso segundo o qual o Reino Unido adotaria certos controles, saudado como "ótimo" por Johnson quando foi assinado.
A afirmação do primeiro-ministro de que o tratado seria impraticável é simplesmente falsa, apesar de alguns problemas burocráticos. Basicamente, a Irlanda do Norte vive no melhor dos mundos, porque, apesar do Brexit, ela continua fazendo parte do mercado único da UE e, ao mesmo tempo, pode comercializar mercadorias livremente com o Reino Unido. Aliás, a região está atrás apenas da Grande Londres em termos de desenvolvimento econômico. As organizações empresariais da Irlanda do Norte e a maioria dos políticos de lá se opõem ao impulso demolidor de Johnson.
Bruxelas está farta do teatro
A Comissão Europeia, sediada em Bruxelas, quer processar o Reino Unido se a ameaça for levada a cabo. Um procedimento do tipo já foi apresentado no ano passado ao Tribunal de Justiça Europeu. Se ele for acionado, o governo britânico provavelmente será multado. E, caso não cumpra a decisão nem pague a multa, a UE quer impor tarifas aos produtos britânicos. O resultado seria uma guerra comercial total. Como um aviso, a UE já suspendeu acordos especiais em áreas como pesca e cooperação científica.
Em Bruxelas, os nervos estão à flor da pele, pois Boris Johnson é um infrator reincidente. Desde o início, seu governo agitou-se contra o acordo que ele mesmo havia concluído. Desde o verão passado no hemisfério Norte, houve mais negociações, e a UE concordou com algumas medidas de facilitação. Mas as negociações estão suspensas há meses, porque o lado britânico recusou-se a participar de mais reuniões. A intenção parecia ser a de fazer com que as conversas fracassassem com o objetivo de achar um pretexto para violar o tratado. A UE considera que Londres está agindo de má-fé neste caso, como dizem os advogados.
Um ato de loucura política
A Europa luta atualmente contra o aumento dos preços de energia, a inflação e o estresse político extremo causado pela guerra na Ucrânia. Isso se aplica a todos os países, sem exceção. Nesse contexto, europeus e britânicos precisam de uma guerra comercial tanto quanto precisam da peste ou da cólera. Trata-se de um ato de loucura política para o qual não há desculpa.
Boris Johnson, no entanto, está agindo com base em táticas partidárias e cálculos políticos domésticos. Ele quer pacificar seus apoiadores de direita pró-Brexit do Partido Conservador, e ao mesmo tempo agradar seus amigos do partido DUP da Irlanda do Norte, que têm bloqueado a cooperação em Belfast desde sua última derrota eleitoral.
É duvidoso se ele alcançará esses objetivos com a ameaça de violar o tratado. Mas o jogador contumaz Johnson está tentando mesmo assim: de forma irresponsável, motivado por interesse próprio e com a disposição para correr riscos de um jogador. Mais uma vez, o primeiro-ministro britânico prova que não é apto para o cargo. Se Johnson fosse sacado de Downing Street neste ano, haveria um grande suspiro de alívio na Europa.
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Barbara Wesel é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.