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Se isso não é uma guerra comercial, o que é?

Timothy Rooks
18 de setembro de 2018

No final, Trump não vai ganhar porque tem razão sobre os déficits ou porque é um negociador melhor. Ele nem está negociando. Ele vencerá simplesmente porque os americanos compram mais dos chineses do que o contrário.

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Caminhão descarrega grãos de soja importados do Brasil num porto em Nantong, na província chinesa de Nantong, em agosto. Soja brasileira substituiu produto americano devido a disputa comercial entre China e EUA
Soja importada do Brasil substitui grãos americanos devido a disputa comercial entre China e EUAFoto: picture-alliance/dpa/Xu Congjun

Quando os Estados Unidos anunciaram tarifas de 25% sobre o equivalente a 50 bilhões de dólares em produtos chineses, a China fez o mesmo em retaliação. Agora, os EUA acrescentaram outro pacote de imposições tarifárias sobre o equivalente a 200 bilhões de dólares adicionais em produtos chineses. E, nesta terça-feira (18/09), a China afirmou que se viu forçada a anunciar medidas em contrapartida.

No total, cerca de metade das exportações da China para os EUA foram afetadas por essas taxas punitivas. Estamos falando nas duas maiores economias mundiais: se isso não é uma guerra comercial, o que é?

Porém, há restrições até onde essa situação pode ir do ponto de vista tarifário. Apesar de os chineses terem reduzido sua dependência de exportações baratas, eles ainda exportam mais para os EUA do que compram. Isso coloca limites definidos sobre o quanto os chineses podem retaliar.

Mas há muitas outras maneiras de causar confusão – desde suspender a futura cooperação com a Coreia do Norte até ampliar a intervenção naval no Mar do Sul da China. O país também possui mais de um trilhão de dólares em títulos do Tesouro dos EUA e, como um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pode vetar qualquer resolução do órgão.

O livre-comércio não é um direito, mas certamente é algo a ser ambicionado. Em qualquer eventualidade, os EUA e a China precisam ter um relacionamento em bons termos, econômica e politicamente, pelo bem mundial. Mas a situação teve uma escalada tão intensa e aberta que nem os chineses, nem os americanos agora podem recuar.

Apesar de membros dos dois governos terem se encontrado inúmeras vezes, as negociações acabaram em decepção. Atualmente, medidas para preservar a própria imagem parecem estar fora de questão. Na superfície, tudo parece desolador, mas um olhar com mais atenção aos detalhes mostra mais cautela – e autopreservação – do que num primeiro momento.

As tarifas mais recentes impostas pelos Estados Unidos começarão na próxima semana a 10%, aumentando para 25% apenas em 1º de janeiro, depois da importante temporada de compras de Natal. Donald Trump não quer estragar a troca de presentes de seus apoiadores ou perder o controle de seu mandato nas eleições legislativas de novembro (que definirão novos representantes no Congresso) ao atacar as carteiras de seus eleitores cedo demais.

Ao mesmo tempo, o eleitorado é volúvel e tem memória curta. Apenas quando o custo médio de um galão de gasolina (quase quatro litros) subir do atual preço de 2,80 para 6 dólares, os eleitores perceberão a diferença. Até lá, o show de Trump é simplesmente caótico demais para se saber para onde olhar ou no que se concentrar. As empresas, por outro lado, estão notando o que está acontecendo.

Fabricantes na Alemanha e nos Estados Unidos vêm demonstrando ser os mais ruidosos opositores dos aumentos das tarifas. Argumentam que os custos vão aumentar e que estes precisam ser repassados aos consumidores. Porém, novos cálculos pelo instituto alemão de pesquisas econômicas Ifo apontam para a China como perdedora e esperam que as novas tarifas atinjam seu crescimento econômico de 0,1% a 0,2%. E, se a China for forçada a fazer grandes concessões, ela também ajudará a impulsionar a posição comercial da Europa.

Apesar de os Estados Unidos terem um histórico controverso de tarifas, Trump poderá empurrar a economia americana ainda mais para cima. Porém, seria um erro pensar que seus métodos grosseiros são o caminho certo. Os EUA não são o centro do mundo; Índia e China têm mais de um bilhão de habitantes a mais que os EUA e, enquanto países como Indonésia, Paquistão e Nigéria crescem, é preciso manter uma nova e conectada ordem global. Isso só pode ser feito por meio do diálogo e de negociações reais em pé de igualdade.

O realinhamento do comércio mundial não pode ser deixado para um bilionário que gosta de intimidar, e não pode ser feito da noite para o dia. As consequências imprevisíveis serão amplas e complicadas demais. Mesmo assim, homens fortes como Trump, Vladimir Putin, Recep Erdogan e Viktor Orbán estão aproveitando seus lugares ao sol atualmente. Agir como durão é bem mais fácil de entender para os eleitores do que detalhes meticulosos sobre um regime comercial qualquer.

No final, Trump não vai ganhar essa guerra comercial com a China porque tem razão sobre os déficits comerciais ou porque é um negociador melhor. Ele nem está negociando. Ele vai ganhar simplesmente porque os Estados Unidos compram mais da China do que o contrário, e ele não parece ligar para os danos colaterais – nem em casa, nem no exterior.

O jornalista Timothy Rooks é repórter da sucursal da DW em Berlim

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