O navio Aquarius está definitivamente ancorado em Marselha, na França. Com isso está fora de circulação a última embarcação de uma ONG cujo objetivo expresso era salvar migrantes do afogamento. Apenas dois chamados navios de observação ainda circulam perto da costa da Líbia.
Pelo jeito nenhum país europeu quis oferecer ao Aquarius uma bandeira com a qual ele pudesse voltar a zarpar. Impôs-se o raciocínio: se a União Europeia (UE) não consegue fazer nada decente, então que não se deixe organizações privadas fazê-lo.
Quem se interessa em saber quantos migrantes deixam a costa da Líbia em direção à UE e quantos deles morrem afogados perdeu agora as luzes do Aquarius. Alguns dizem que elas eram as últimas a lançar alguma claridade sobre a obscura situação no Mediterrâneo.
É claro que se pode dizer que o culpado é o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini. Afinal, ele proibiu as ONGs de ancorarem em portos italianos. Sim, é verdade. Mas a origem real desse desastre reside na incapacidade de todos os países-membros da UE de chegarem a um acordo aceitável e funcional para um amplo conceito migratório.
Os líderes da UE preferem se concentrar quase exclusivamente na proteção de fronteiras. Ao mesmo tempo, o chanceler federal austríaco, Sebastian Kurz, acrescentou que está realizando sérias negociações com o Egito sobre as chamadas "plataformas de desembarque", que no jargão burocrático nada mais são que centros de acolhimento fora da UE para os migrantes resgatados no Mediterrâneo.
À parte que isso provavelmente não vai levar a nada, acaba-se falando apenas sobre um lado da questão migratória: dissuasão, segurança de fronteiras, repatriação.
E o outro lado? A recepção, distribuição e integração dos verdadeiramente vulneráveis, das vítimas da guerra, da tortura e da perseguição política? E quanto às rotas legais de migração que poderiam impedir as pessoas de fazerem a travessia fatal?
A UE anda numa perna só em sua política migratória, o que custa um preço cada vez mais alto em sangue. Com a ajuda de dados da ONU, o think tank italiano ISPI fez cálculos assustadores. A taxa de mortalidade entre os imigrantes que tentaram atravessar o Mediterrâneo girou em torno de 19% em setembro. Em outras palavras: um em cada cinco morreu. Esse foi o maior valor jamais mensurado.
Isso é um atestado de incompetência! Se a UE não consegue regular o segundo pilar de uma ampla política migratória, então que ao menos não impeça as ONGs de realizarem o trabalho que ela deveria estar fazendo. E vale observar: integradas no todo, e não à parte.
Não são de todo falsas as acusações do passado de que as ONGs estariam pegando os migrantes diretamente ao largo da costa da Líbia e os transportando para a Europa, o que, na prática, equivale a apoiar o modelo de negócios dos coiotes.
No entanto, num mundo melhor, a Guarda Costeira da Líbia, a Agência de Fronteiras da UE e as ONGs combinariam entre si suas áreas de operações e se coordenariam melhor. Disso estamos mais longes do que nunca. Os voluntários do Aquarius relatam condições caóticas no Mediterrâneo e dizem que a coordenação dos trabalhos é falha.
Os planos de campos de acolhimento humanitários no norte da África, de rotas legais de migração e desenvolvimento econômico nos países de origem da migração soam todos muito bem, mas o problema é: nada disso saiu do papel, e enquanto for assim os Estados-membros da UE deveriam apoiar navios como o Aquarius a salvar vidas no Mediterrâneo e não impedi-los.
Do contrário, a União Europeia não perde só as luzes no socorro marítimo, mas também sua consciência.
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