Opinião: Um clima de impunidade se alastra
25 de fevereiro de 2015"Terá sido o ano de 2014 um ponto baixo absoluto ou o início de uma virada para melhor?", indagou o secretário-geral da Anistia Internacional (AI), Salil Shetty, ao apresentar o mais recente informe da ONG sobre os direitos humanos no mundo.
Ele confirma o que as atuais crises no Oriente Médio e em países africanos já indicavam: há uma erosão progressiva da penosamente conquistada Justiça criminal internacional, acompanhada pela impunidade dos responsáveis, também diante da Justiça de seus próprios países. Um "clima de impunidade" se alastra. A reação da comunidade internacional é "vergonhosa e insuficiente".
O balanço da AI para 2014/15 é assustador. De Damasco a Cabul; do México a Baku, no Azerbaijão; da sul-sudanesa Juba até Colombo, passando por Pyongyang; de Abuja, na Nigéria, até Moscou e Ásia Central – sim, até mesmo de Washington a Pequim: todos esses são palcos de brutais violações dos compromissos com o direito internacional, nos quais são ignoradas as convenções de Genebra para proteção de civis em conflitos militares, e onde a ajuda humanitária é intencionalmente dificultada.
Representantes da sociedade civil que tenham a coragem de apontar e criticar irregularidades são silenciados através de leis cada vez mais consequentes e de repressão autoritária.
Quem já tenha vivenciado a atitude de China, Rússia, Sri Lanka e outros diante desses representantes civis no ambiente diplomático do Conselho de Direitos Humanos da ONU, partilha a conclusão da publicação da AI: "Um ano devastador para todos aqueles que defendem os direitos humanos e para os que sofrem na miséria das zonas de guerra e crise."
Não se trata apenas dos combates sangrentos na Ucrânia Oriental ou das medidas repressivas adotadas pela Rússia, membro do Conselho de Segurança da ONU, contra a liberdade de opinião e a autodeterminação sexual: a Europa – inclusive a Alemanha – não tem motivos para autocongratulação. Discriminação de minorias e dificuldades crescentes em lidar de forma humana com os fluxos de refugiados e migrantes são amplamente difundidas.
Os ataques de partidos governistas, justamente do Reino Unido e da Suíça, contra o Tribunal Europeu de Direitos Humanos enfatizam a presente tendência, disseminada para além das fronteiras continentais, de anular direitos fundamentais de liberdade em nome da suposta defesa da "segurança pública".
O conceito de tortura – ato de infligir intencionalmente dor a alguém, com o fim de obter informações ou confissão, como define a Convenção da ONU – tem sido deturpado e falseado por juristas deploráveis. E a publicação do relatório do Senado americano revela não apenas a conduta chocante da CIA (a agência de inteligência dos EUA), mas também a extensão da cumplicidade europeia.
Vinte anos após o genocídio em Ruanda, incontáveis conflitos deixam um lastro sangrento através do continente africano. Destacando-se nesse quadro de miséria, está o Sudão do Sul, país que alcançou sua independência graças à solidariedade e participação internacional. Sob o olhar das Nações Unidas, um governo irresponsável se dilacera com seus opositores étnicos, à custa dos mais pobres e vulneráveis, as mulheres e crianças.
A "Primavera" de 2011 na Península Árabe há muito deu lugar a um inverno cruel: a Líbia e o Iêmen estão à beira de um colapso estatal; o Iraque oscila diante das hordas de um autoproclamado, desumano califa; o Egito se encontra novamente sob ditadura autoritária, na luta contra o islamismo terrorista. A Síria, com seu balanço sangrento de mais de 200 mil vítimas – há muito a ONU desistiu de contar os mortos –, já é quase um conflito esquecido.
Em Israel e na Faixa de Gaza, a contagem mais recente chega a quase 2 mil mortos. Politicamente, os partidos estão num beco sem saída para a paz, e os interesses de segurança de Israel permanecem um ponto sensível. Porém, a recusa do país em cooperar com os grêmios do Conselho de Direitos Humanos não deixa de ser uma violação de seus deveres enquanto membro das Nações Unidas.
O Conselho de Segurança da ONU arca com a responsabilidade pela paz e segurança, assim como de impor o respeito aos direitos humanos. A conexão entre, de um lado, conflito e instabilidade, e, do outro, desigualdade, pobreza e falência dos direitos fundamentais, atravessa o informe da Anistia Internacional como um fio de Ariadne.
Diante desse quadro, adiantará de algo os cinco membros permanentes do Conselho renunciarem a seu direito de veto, quando estiverem em jogo genocídio e crimes contra a humanidade, como reivindica a Anistia? Desde 1993, a discussão sobre a reforma do grêmio se arrasta, sem resultados visíveis e sem que haja um final à vista.
Provocação e advertência é o que resta, como mínimo denominador comum, para denunciar a lamentável situação dos direitos humanos na esperança de, com pequenos passos, alcançar uma melhoria. A Alemanha tem uma oportunidade para tal: em 2015, ocupa a presidência do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Hanns Schumacher é diplomata alemão aposentado. Até 2014, dirigiu a representação alemã em Genebra, na qualidade de embaixador da República Federal da Alemanha nas Nações Unidas.