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O fim de Kadafi

21 de outubro de 2011

A morte do ditador Muammar Kadafi simboliza o começo de uma nova era na Líbia, mas os desafios que o país tem diante de si são enormes, afirma Rainer Sollich, chefe da redação árabe da Deutsche Welle.

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Ele chamou os cidadãos que se rebelaram contra ele de "ratos" em bizarras aparições na televisão – agora os "ratos" revidaram e tiraram a vida dele: Muammar Kadafi está morto. Ele morreu ao tentar escapar da cidade de Sirte, último bastião dos seus apoiadores, conquistada pouco antes pelos opositores do ditador líbio.

Kadafi, de 69 anos, sucumbiu aparentemente em consequência dos seus ferimentos de combate. Ao que tudo indica, ele de fato morreu como "mártir", como ele mesmo havia anunciado, certa vez, de forma patética. E enquanto o mundo ainda especulava se ele estaria mesmo morto ou simplesmente capturado, os primeiros tiros de comemoração já soavam em Trípoli.

Na Líbia e no mundo árabe em geral, praticamente ninguém derramou uma lágrima por ele. O mesmo vale para os países ocidentais, onde de forma alguma Kadafi era visto apenas como patrocinador do terrorismo, extorsionário e, mais recentemente, adversário militar.

Devido a divisões questionáveis e à falta de foco na questão dos direitos humanos na política externa europeia, Kadafi pôde algumas vezes até mesmo montar a sua tenda, em grande estilo, em Bruxelas e em Paris. Ele foi cortejado por lideranças políticas da União Europeia, como Silvio Berlusconi, e manteve refugiados africanos longe dos países europeus, usando métodos duvidosos.

Europeus e norte-americanos só foram mudar essa assim chamada política de aproximação quando a população líbia se voltou contra ele. Mesmo que o Ocidente, ao cabo, tenha contribuído decisivamente para a mudança na Líbia: tudo isso não deve ser esquecido, e lições claras devem ser tiradas daí para futuras relações com ditadores. Até agora, a União Europeia tem se esquivado consideravelmente disso.

A discussão do que seria melhor, um julgamento de Kadafi em tribunal nacional ou internacional, deixou de existir. Mas continua importante a questão de como o novo regime na Líbia vai lidar com a difícil herança política do ditador. O fato de Kadafi ser visto pela opinião pública internacional como um excêntrico curioso não pode ofuscar o fato de que ele era um dos ditadores mais brutais e cruéis do mundo árabe.

Tortura, espionagem, perseguição política e tirania eram práticas comuns em suas décadas de domínio. Tudo isso precisa ser trabalhado. E para isso é importante que também os líderes do seu aparelho de repressão sejam levados à justiça na "nova" Líbia. Isso precisa acontecer seguindo um processo em conformidade com o Estado de Direito – atos de vingança não devem ser permitidos.

A morte de Kadafi tira um grande peso do futuro dos líbios. O seu fim abrupto é sinal claro de que uma nova era começa nesse país do norte da África. Mas os desafios políticos são tremendos. A Líbia não tem uma cultura política nem instituições públicas que funcionem. O país começa praticamente do zero.

O regime de transição precisa preparar eleições democráticas e ainda manter o equilíbrio entre tribos e regiões tradicionalmente rivais e entre as mais diversas correntes políticas – que vão de democratas com inspirações europeias até forças islâmicas. A Líbia não consegue dar conta de tudo isso sozinha. O país precisa encontrar seu próprio caminho, mas precisará de ajuda internacional. E a nação não deve hesitar em aceitá-la.

Autor: Rainer Sollich (np)
Revisão: Alexandre Schossler