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Oposição e procuradores pedem investigação de Bolsonaro

19 de julho de 2022

Presidente convocou reunião com embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eleitoral com mentiras sobre a confiabilidade das eleições e das urnas eletrônicas. Para diplomatas, trata-se de estratégia "trumpista".

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Mulher de máscara vota
Durante sua apresentação aos embaixadores, Bolsonaro tentou deslegitimar a autoridade do TSE Foto: Bruna Prado/Getty Images

Um grupo de nove deputados da oposição pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (19/07) que autorize uma investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por, mais uma vez, atacar sem provas o sistema eleitoral brasileiro, desta vez em reunião com embaixadores de dezenas de países no Palácio da Alvorada.

"Não pode o representado usar do cargo de presidente da República para subverter e atacar a ordem democrática, buscando criar verdadeiro caos no país e desestabilizar as instituições públicas", diz o documento enviado ao STF.

Na reunião, a menos de três meses do primeiro turno das eleições, Bolsonaro fez uma apresentação de mentiras sobre o sistema de votação brasileiro, atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e exaltou um suposto papel das Forças Armadas na avaliação do processo eleitoral.

Para os deputados – entre eles nomes do PT, PSOL, Rede, PCdoB, PDT, PSB e PV –, Bolsonaro cometeu improbidade administrativa, propaganda eleitoral antecipada, abuso de poder político e econômico e crime contra o Estado democrático, uma vez que, no encontro, utilizou o próprio cargo e recursos públicos, como a estrutura do Palácio da Alvorada e da TV Brasil, que transmitiu ao vivo a reunião.

"Entramos no STF contra o presidente, uma notícia crime, pelas barbaridades, pelas violências e pelos ataques que ele fez ontem", afirmou deputado federal Alencar Santana (PT).

A queixa alega que "o presidente da República voltou a questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro, de uma forma ainda mais agressiva e chocante, o que expõe seriamente a imagem do Brasil no cenário internacional, significando grave ameaça ao Estado democrático de direito, pois afronta a soberania popular a depender do possível resultado do pleito de 2022".

Cabe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem agido de forma alinhada a Bolsonaro, decidir se há elementos para fazer uma denúncia formal contra o presidente, e ao Ministério Público Eleitoral se apresenta denúncia por crime eleitoral.

Na segunda-feira, o YouTube tirou do ar uma live de Bolsonaro de julho de 2021, em que já defendia, em parte, os argumentos apresentados aos embaixadores.

Procuradores pressionam Aras

Também nesta terça-feira, um grupo de 43 procuradores dos direitos do cidadão em todo o país enviou à Procuradoria-Geral da República uma "notícia de ilícito eleitoral" contra Bolsonaro, com o objetivo de pressionar Aras a investigar o presidente pelo "ataque explícito ao sistema eleitoral, com inverdades contra a estrutura do Poder Judiciário Eleitoral e a democracia".

"A conduta do presidente da República afronta e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder", afirma o documento.

Duas associações de membros do Ministério Público também divulgaram notas para reafirmar a confiança no sistema eleitoral e rechaçar os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica.

"O sistema de votação e apuração das eleições hoje vigente é fruto de decisão soberana do povo brasileiro, expressada por meio do Congresso Nacional, e reiteradamente testada, sem vícios. Assim, o atentado em curso ao processo democrático é uma afronta ao país e aos seus cidadãos", afirmou a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Já a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) disse que a urna eletrônica passa por constante fiscalização pelo Ministério Público Eleitoral e "jamais teve contra si qualquer comprovação ou sequer indício que sustente dúvida quanto a sua eficiência e lisura". 

Percepção de diplomatas

Embaixadores presentes à apresentação de Bolsonaro relataram a veículos da imprensa brasileira, sob anonimato, que interpretaram as alegações do presidente como um indicativo de que ele não pretende aceitar o resultado das eleições de outubro caso não seja reeleito.

Eles também apontaram a falta de provas que sustentem as teorias da conspiração de Bolsonaro, e alguns consideraram que o encontro teve objetivo de colocar em prática uma estratégia "trumpista" – referindo-se ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que colocou em questão a fiabilidade do processo de votação por correio nos Estados Unidos ao perceber que perderia a reeleição para Joe Biden.

Alguns embaixadores disseram-se preocupados com a democracia no Brasil e que, além de não apresentar provas que sustentem suas teorias sobre um possível ciberataque às urnas eletrônicas, Bolsonaro mostrou que seus problemas recorrentes com os ministros do STF e do TSE têm um "forte caráter político".

Segundo informou o jornal Folha de S.Paulo, na próxima semana uma comitiva de representantes de entidades civis do Brasil viajará a Washington para conversar com autoridades americanas sobre o risco de golpe nas eleições presidenciais do Brasil. Entre outros, deverão estar presentes o senador democrata Bernie Sanders e o deputado democrata Jamie Raskin. Ambos integram a comissão especial que investiga a invasão ao Capitólio, ocorrida em 6 de janeiro de 2021.

Ataques ao Judiciário

Durante sua apresentação aos embaixadores, Bolsonaro tentou deslegitimar a autoridade do TSE para organizar as eleições e atacou nominalmente os ministros Luís Roberto Barroso, que presidiu a Corte até fevereiro, Edson Fachin, que atualmente comanda o tribunal, e Alexandre de Mores, que assumirá a presidência do TSE em 16 de agosto.

Segundo Bolsonaro, os três "querem trazer instabilidade" ao Brasil ao não aceitarem as "sugestões das Forças Armadas" sobre a urna eletrônica. Ele também criticou o TSE por ter determinado que redes sociais desmonetizassem páginas e canais que disseminam notícias falsas e por "cassarem um deputado por fake news".

Trata-se de uma referência ao deputado estadual pelo Paraná Fernando Francischini, cassado, em decisão confirmada pelo Supremo, por disseminar em 2018 que haveria fraude no cômputo de votos, de modo a impedir a eleição de Bolsonaro como presidente.

Exaltação das Forças Armadas

Aos diplomatas, Bolsonaro frisou, mais de uma vez, que é o "chefe supremo" das Forças Armadas e defendeu que os militares tenham um papel mais ativo na formatação do sistema de votação, já que as eleições eram uma "questão de segurança nacional".

As Forças Armadas foram convidadas por Barroso para participar do Grupo de Fiscalização do Processo Eleitoral do TSE, inicialmente com o objetivo de tentar construir uma relação de confiança com os militares a respeito da urna eletrônica.

Nesse processo, porém, as Forças Armadas passaram a ser utilizadas por Bolsonaro para desacreditar o sistema de votação e fazer sugestões como conduzir uma apuração paralela das eleições. Na quinta-feira, em audiência no Senado, o Ministério da Defesa voltou a colocar em dúvida a confiabilidade da urna eletrônica, dizendo haver dúvidas sobre sua segurança.

"Por que nos convidaram? Acharam que iam dominar as Forças Armadas? Será que se esqueceram de que eu sou o chefe supremo das Forças Armadas? Será que imaginaram que participaríamos de uma farsa? Seríamos moldura numa foto?" – Bolsonaro confrontou os diplomatas nesta segunda-feira.

Teorias falsas repetidas

Parte da apresentação de Bolsonaro aos diplomatas foi baseada num inquérito da Polícia Federal (PF) que apurou um ataque hacker em 2018 a sistemas do TSE, que já havia sido mencionado pelo presidente numa live em julho de 2021 – a mesma que foi retirada do ar pelo YouTube nesta segunda-feira.

Segundo a investigação da PF, um grupo de hackers brasileiros e portugueses foi responsável pelos ataques, no qual dados de servidores públicos foram divulgados, e houve tentativas de causar instabilidade nos sites do TSE e dos tribunais regionais eleitorais.

Segundo a PF, não foi identificado nenhum elemento que possa ter prejudicado a apuração, a segurança ou a integridade dos resultados da votação. O TSE já informou que o ataque "não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018".

Na live de julho de 2021, Bolsonaro divulgou documentos desse inquérito que estavam sob sigilo, o que provocou a abertura de um inquérito contra ele.

le/av (Lusa, DW, ots)