Organizações alertam para catástrofe humanitária na Síria
10 de agosto de 2012A família perambulou um dia inteiro pela fronteira sírio-libanesa para, durante a noite, ousar passar para o outro lado. Mas chegou ao território do país vizinho sem dois de seus filhos, que desapareceram no terreno acidentado das montanhas libanesas.
Os pais os procuraram por horas sem sucesso, até que decidiram continuar a fuga sem as crianças desaparecidas. Nas baixas temperaturas que prevalecem em março nas montanhas, eles calcularam que ambos só sobreviveriam por algumas horas. A guerra não só levou todos os seus pertences como também destruiu sua família.
Vítimas infantis
São histórias deprimentes como esta que Marc André Hensel, coordenador da ajuda para a Síria da seção alemã da entidade filantrópica evangélica World Vision International, ouve frequentemente nos campos de refugiados sírios localizados no lado libanês. Desde março, quando esteve no campo pela primeira vez, Hensel toma conhecimento das consequências da guerra através de inúmeras histórias individuais. Pais cujos filhos foram feridos e não receberam cuidados médicos necessários; que morreram ou foram maltratados.
As crianças são as que mais sofrem com a guerra, que têm a maior dificuldade em lidar com a experiência. "Muitos têm pesadelos", diz Hensel, em entrevista à DW. Outros se sentem perseguidos, inseguros, ficam com medo quando cai a noite. "Eles só querem fugir. São fechados, calados, vivem em estado de choque. Alguns não contam nada sobre as suas experiências. Outros dizem tudo, você percebe que eles querem sua compaixão."
Várias histórias circulam no campo. Alguns contam que as tropas do governo mantém crianças como reféns, para manterem os pais sob controle – método que seria usado frequentemente contra opositores. "Outros me contaram que as crianças são amarradas aos tanques como uma espécie de escudo, para que ninguém jogue coquetéis molotov ou dispare contra os tanques", relata Hensel.
Semanas de fuga
"Os horrores da guerra são grandes", afirma Donatella Rovera, que esteve no começo do ano durante várias semanas em Aleppo, pela Anistia Internacional. Ela conta que naquele período encontrou famílias que se mudaram quatro ou cinco vezes de casa num curto espaço de tempo. "Toda vez que eles chegavam a uma zona tranquila, em algum momento ela era também atacada. Então, eles iam para uma outra região. E de lá para outra e assim por diante." Esses refugiados errantes dentro do país são a maioria daqueles que deixaram suas casas por causa da guerra. A ONU estima em até um milhão o número de deslocados internos na Síria.
Entre eles, estão muitos feridos, que esperam ser tratados em algum lugar. Mas visitar um médico não é algo fácil. Para isso é necessária uma sólida rede de relacionamentos, baseada em gente de confiança.
"Muitas pessoas têm muito medo de ir a um hospital", afirma Rovera. "As tropas do governo costumam checar a identidade dos pacientes, prendendo aqueles que suspeitam ser integrantes da oposição. E as pessoas sabem que, se forem presas, podem facilmente ser mortas."
Por isso, muito preferem buscar médicos que trabalharam clandestinamente. Mas isso é arriscado, porque o tratamento médico de oposicionistas é punido severamente. "Em casos de extrema urgência", afirma Rovera, "os feridos têm que ser enviados clandestinamente para o exterior."
Faltam medicamentos
A situação fica cada dia mais difícil mesmo para quem não faz parte da oposição. "Muitos centros de saúde e hospitais foram destruídos", informa Tarik Jarasevic, porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS). Outros tiveram que fechar, porque a eletricidade foi cortada. Por causa dos combates, muitos médicos e enfermeiros também não conseguem chegar a seus locais de trabalho.
E mesmo quando os médicos chegam aos hospitais, muitas vezes não conseguem tratar seus pacientes, porque não dispõem dos medicamentos necessários. "Cerca de 90% dos medicamentos usados na Síria são produzidos localmente", informa Jarasevic. "Se esses produtos faltam, os sírios precisam comprá-los no mercado internacional, e não têm atualmente como pagar por eles." Assim, não só as vítimas dos combates, mas também os que sofrem de enfermidades crônicas, como doenças cardíacas, diabetes e câncer, não conseguem acesso a tratamento e medicação.
A situação humanitária é catastrófica em muitos aspectos. Uma porta-voz do Programa Alimentar Mundial da ONU afirma que, só em Aleppo, cerca de 46 mil pessoas dependem de doação de alimentos. No total, os funcionários do programa atenderam em julho a mais de meio milhão de pessoas. Na verdade, deveriam ser muitas mais, porém, a situação da segurança não possibilita a ajuda. A guerra também deixa as agências humanitárias impotentes.
Autora: Kersten Knipp (md)
Revisão: Francis França