Os apuros da economia da China e seu impacto para o mundo
18 de agosto de 2022Em 2008, a economia da China, então em rápida expansão, e um gigantesco pacote de estímulo lançado por Pequim ajudaram os países ocidentais a se recuperarem da crise financeira global.
Neste momento em que a inflação alta, exacerbada pela guerra na Ucrânia, detém o crescimento das grandes economias globais, diversos economistas têm esperanças de que a potência asiática virá novamente em socorro do mundo.
Só que não é 2008: os apuros econômicos chineses são profundos, o governo praticamente desistiu de sua meta anual de 5,5% de crescimento do PIB. Em julho, o primeiro-ministro Li Keqiang advertiu que há pouco apetite para medidas expansionistas.
Os negócios e o consumo na segunda maior economia foram sufocados pela política nacional de zero covid, resultando em meses de confinamento em dezenas de cidades e forçando numerosas firmas a fecharem. Agora os líderes chineses relutam em reverter as decisões draconianas, temendo desencadear uma crise maior.
"A China não viveu, de fato, com a covid-19, como o resto do mundo. Então, haveria caos econômico se de repente o vírus se abatesse sobre o país", explica Jacob Gunter, analista-chefe do Instituto Mercator de Estudos Chineses (Merics), sediado em Berlim. "Não há imunidade adquirida, devido à recusa de importar vacinas de mRNA; não há um sistema de saúde desenvolvido; e muita hesitação quanto à vacina."
Crash imobiliário pior do que política zero covid
Pior ainda: a recente devassa governamental dos débitos das incorporadoras imobiliárias desencadeou um colapso do setor que levou à beira da falência uma das maiores construtoras do país, a China Evergrande.
Os compradores de imóveis suspenderam o pagamento das hipotecas sobre apartamentos inacabados, os empréstimos bancários para compra de propriedades caíram pela primeira vez em uma década, e o volume de espaço residencial – indicador para novas atividades de construção – caiu para quase a metade no segundo trimestre de 2022.
Em comparação com a política de zero covid, "o crash imobiliário é o problema maior", na opinião de Craig Botham, especialista em China da consultora de pesquisa Pantheon Macroeconomics. "A economia se mostrou capaz de se recuperar rapidamente de lockdowns, mas o dano da desvalorização dos ativos num setor equivalente a 30% do PIB é muito mais pernicioso. Famílias, bancos e governos locais, todos estão com os balancetes prejudicados."
Embora recusando-se a distribuir mais estímulos monetários até a inflação e a pandemia de covid-19 estarem sob controle, em meados de agosto o banco central chinês cortou as taxas de juros, em reação ao crescimento da produção industrial e do comércio varejista abaixo do previsto, e à redução de 10% da demanda de petróleo, no mês anterior.
"É o contrário do que está acontecendo no resto do mundo, onde os países estão aumentando as taxas de juros", comenta Gunter. "A China tem o contrário dos problemas que temos nos Estados Unidos e na Europa", acrescenta: os consumidores do país evitam gastar por medo de serem colocados em quarentena, sem fonte de renda.
No fim das contas, a China vai ajudar o mundo?
Entretanto Craig Botham não crê que os cortes dos juros vão fazer grande diferença ao crescimento econômico da China, por dois motivos: "Um é que eles só impactarão imediatamente os custos de financiamento dos bancos, sem ser necessariamente transmitidos à economia real."
"O segundo, e mais importante, é que a demanda de empréstimos despencou morro abaixo. Eu suspeito que o Banco Popular da China achou que tinha que fazer alguma coisa, mesmo sabendo que o que quer que faça terá impacto mínimo."
Enquanto segura os eventuais novos estímulos, o governo central tentou desviar a atenção de si, instando os governos regionais a se empenharem mais para estabilizar o crescimento e incentivar as oportunidades de emprego – uma medida que foi encarada com ceticismo, relata Botham: "Os governos locais têm balancetes cheios de furos, e não há muito mais que possam fazer. Precisamos ver o governo central tomar uma atitude."
Já se acumula a pressão sobre os líderes chineses: em meados de agosto, o jornal Financial News, financiado pelo Estado, exigiu medidas pró-crescimento. Citando Wen Bin, economista-chefe do China Minsheng Bank, a reportagem de primeira página urgia Pequim a estimular a demanda através de subsídios. Além disso, defendia a adoção de mais medidas para a indústria e o mercado imobiliário, visando impulsionar a recuperação da produção e do consumo.
A resistência a novos subsídios poderá ceder nos próximos meses, quando o presidente Xi Jinping se prepara para concorrer a um terceiro mandato no 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, marcado para novembro.
Ao contrário de 2008, quando o estímulo chinês de 4 trilhões de yuan (586 bilhões de dólares) ajudou a estabilizar a economia global, é provável que qualquer medida expansionista de Pequim vá ter impacto restrito para o Ocidente, avalia Craig Botham. Contudo poderá ajudar a mitigar a crise do custo de vida que oprime a região.
"É seguro dizer que a China não resgatará a economia global neste ciclo. As esperanças de um novo superciclo de matérias-primas deslanchado pela China serão frustradas. No entanto, o foco em políticas voltadas para a oferta e as debilidades da demanda chinesa resultarão em a China exportar desinflação ou mesmo deflação para o resto do mundo nos próximos 12 meses, mantendo a inflação global sob controle."