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Os limites da arte sem fronteiras

Simone de Mello4 de janeiro de 2003

A webarte já não desperta tanto entusiasmo como no início da década de 90. A arte sem fronteiras, teoricamente ao alcance de todos, tende a se limitar a redutos elitistas ou se perder no fluxo de dados da internet.

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Logotipo do fórum "Unplugged", Ars Electronica 2002, em Linz

Talvez não seja nenhum acaso, o fato de os principais sites de divulgação de webarte estarem deixando de oferecer livre acesso ao usuário normal. Para entrar no rhizome.org e no thing.at, por exemplo, é preciso se cadastrar. O thing.net, que está fora da rede, após o provedor ter rescindido o contrato, pede doações para criar uma "rede autônoma menos vulnerável a pressões corporativistas e censura". O rhizome.org também lança um apelo: "Help keep Rhizome going! Make a gift today". Possivelmente por alguma razão técnica, não dá para acessar o "turbulence.org". E dezenas de outros links menos estabelecidos remetem em grande parte a novos projetos multimídia, que geralmente só usam a internet como meio de distribuição, sem incorporar as qualidades desta mídia como parte integrante da obra.

Arte de rede como arte-enquete

A internet é cada vez mais usada como espaço de divulgação das instituições de arte, mas parece estar deixando de ser atraente como espaço de criação. A febre da webart no início da década de 90 surgiu, entre outras coisas, da fascinação de poder atingir todo e qualquer observador, sem a intermediação do sistema de distribuição de museus e galerias, vinculado às leis do mercado da arte. Não é à toa que os primeiros projetos de grande alcance, como De digitale Stad (Amsterdã, 1994), apostavam na ampliação da rede de computadores nos cenários urbanos (em cafés, centros culturais, domicílios), criando espaços de discussão. A Internationale Stadt (Berlim, 1995) também surgiu como uma plataforma desta espécie. O impulso de democratizar a internet e reforçar sua presença como espaço de intercâmbio se tornou aos poucos supérfluo, dada a rápida propagação desta mídia.

O entusiasmo pela arte sem fronteiras e por uma nova delimitação da global village também culminou na proliferação de projetos interativos dos mais diversos tipos. O impulso de integrar usuários num diálogo criou uma vertente da webarte, qualificada pejorativamente de "arte-enquete", por se limitar à conhecida troca de perguntas e respostas. O Berkeley Orakel (Oráculo de Berkeley, 1999), do artista alemão Jochen Gerz, por exemplo, desafiava o usuário a formular perguntas a um oráculo virtual: a obra consiste simplesmente do acúmulo de questões no fim do milênio.

Já o artista berlinense Holger Friese, mentor do site antworten.de, desafia o usuário a entrar numa fila de espera, conhecida das repartições públicas ou das tentativas fracassadas de download. Durante o tempo de espera ("Você é o número 23 na fila. Por favor, tenha paciência!"), pode-se optar por escrever um e-mail com alguma pergunta, quem sabe, ou ler qualquer coisa, como as estatísticas de cliques do site.

Pela sabotagem da mídia

Desde sempre a webarte problematizou a utopia da comunicação ilimitada evocada pela internet. Muitas foram as iniciativas de destacar os ruídos da mídia, jogando com aparentes falhas técnicas e mensagens de erro, ou simulando colapsos e a ameaça de vírus. Este gesto iconoclasta norteou o trabalho do duo belga-holandês Jodi (Joan Heemskerk e Dirk Paesmans), desde as primeiras colagens com elementos de interface até seus untitled games, que sabotam os videogames oferecidos de graça na internet, manipulando seus códigos-fonte.

No entanto, é difícil de avaliar o alcance de obras intervencionistas como estas, que pretendem minar – sem aviso – o ilimitado espaço-www. Em geral, projetos de destaque tendem a ser veiculados por instituições já estabelecidas, como a Transmediale (Berlim), a Ars Electronica (Linz), ou o ZKM (Centro de Arte e Tecnologia de Mídia, Karlsruhe), só para mencionar as principais nos países de língua alemã. A webart, que – em suas melhores manifestações – vive da interatividade e do gesto intervencionista, tende a se encerrar num gueto elitista. Ou tende a se perder no espaço não mapeado da internet, sobretudo pela dificuldade de se distinguir como "arte" em meio a tantas iniciativas lúdicas que já invadiram a rede.

As fronteiras reais

Embora a necessidade de veiculação em lugares reais contradiga os princípios de uma arte virtual e imaterial, esta parece ser a tendência. A utopia de uma arte sem fronteiras ameaça se esvair diante da necessidade de espaços reais de apreciação artística, sobretudo em sociedades onde as pessoas costumam passar sua jornada de trabalho diante de um computador.

A ilusória ausência de fronteiras é questionada – sobretudo em nível político – pelo britânico Heath Bunting, em BorderXing guide. Bunting, que declarou em 1997 que tinha se "aposentado precocemente" como webartista, atravessou a pé, ilegalmente, diversos pontos de fronteira entre os países europeus e colocou na internet as fotos dos lugares que escapam ao rígido controle interno da União Européia. No entanto, estas imagens só podem ser acessadas em determinados internet cafés, mantendo-se vedadas ao amplo acesso público, assim como as fronteiras européias a tantos "forasteiros". Uma intervenção que mostra que a fronteiras podem se deslocar, mas dificilmente serão abolidas. Isso também parece valer para as artes.

Confira abaixo alguns links mencionados no artigo.