Os obstáculos rumo à paz em Nagorno-Karabakh
8 de outubro de 2020Mais de uma semana se passou desde o início dos combates no sul do Cáucaso e ainda não há evidências de que eles vão arrefecer tão cedo: os rivais Armênia e Azerbaijão parecem determinados, e várias centenas de soldados e civis já foram mortos em ambos os lados. Enquanto isso, o ministro da Defesa do Azerbaijão, Zakir Hasanov, ordenou na terça-feira (06/10) que a "destruição consistente e direcionada das forças inimigas" continuasse.
"A dinâmica simplesmente se tornou tão perigosa que não será fácil para atores externos encerrar o conflito", disse Stefan Meister. Ele dirige o escritório da Fundação Heinrich Böll em Tbilisi, capital da vizinha Geórgia, e é membro associado da Sociedade Alemã de Política Externa. Meister não acredita que a luta vá terminar tão cedo, quando mais não seja devido às perdas de ambos os lados e dos primeiros ganhos de terras para o Azerbaijão: "O receio é que isso se transforme numa guerra maior que não afete apenas Karabakh e as províncias ocupadas pela Armênia."
O que está por trás do conflito?
O conflito na região de Nagorno-Karabakh permanece latente desde o colapso da União Soviética: ambos os adversários já haviam travado uma guerra no início da década de 1990 e, desde então, protagonizam incidentes repetidamente. Nagorno-Karabakh fica no Azerbaijão, que se vê assim no direito de reivindicar sua integridade territorial. No entanto, a maioria das pessoas que vivem em Nagorno-Karabakh são de origem armênia, razão pela qual a Armênia invoca a autodeterminação dos povos. Partes de Nagorno-Karabakh se declararam independentes em 1991, embora nenhum Estado do mundo reconheça isso – nem mesmo a Armênia.
Em essência, trata-se de um conflito entre dois países vizinhos inimigos. No entanto, o Azerbaijão se mostra cada vez mais autoconfiante, já que a vizinha Turquia se inclina cada vez mais para o lado do governo de Baku. Uma das razões são as grandes semelhanças étnicas e culturais entre os países de língua turca – ambos professam o princípio "uma nação, dois Estados". No entanto, há anos que a Turquia tenta, de forma intensiva, tornar-se independente do gás natural russo, seja através do engajamento na Líbia, de explorações no leste do Mediterrâneo ou simplesmente de grandes negócios com seus parceiros em Baku. Sabe-se inclusive que a Turquia recrutou mercenários na Síria para apoiar o Azerbaijão.
Qual é o papel da Rússia?
Do ponto de vista de Moscou, a situação é particularmente complicada, pois a Rússia mantém ligações com ambas as ex-repúblicas soviéticas. Com a Armênia, porém, os laços são bem mais intensos: embora Moscou forneça armas russas às duas partes em conflito, apenas Yerevan tem direito a um preço especial. E na segunda maior cidade da Armênia, Gyumri, há uma base militar russa.
"A Rússia desempenha um papel muito problemático neste conflito, pois o usa para manter os dois países sob sua dependência", disse Meister em entrevista à DW, desmentindo a imagem russa de potência protetora dos armênios. "Os armênios não se sentem seguros de verdade. Em vez disso, tem-se muito mais a sensação de que a Rússia está jogando dos dois lados. No momento, também estamos vendo uma reação relativamente fraca por parte da Rússia, enquanto a Turquia intervém militarmente e de forma maciça neste conflito a favor do Azerbaijão."
Quais são as chances de negociação?
Hans-Joachim Spanger, da Fundação para Pesquisa de Paz e Conflitos em Hessen, também acredita que a Rússia tem interesse em manter um certo limbo que ligue ambas as partes a Moscou – o Azerbaijão, por meio do fornecimento de armas, e a Armênia, por meio de um pacto de assistência mútua. Contudo, em diversas vezes no passado, Moscou teve um papel ativo nas negociações. Mas Spanger vê como inteiramente possível que o apoio militar ao Azerbaijão diminua no futuro: "A Turquia, provavelmente, só está interessada numa breve ofensiva", disse ele à DW.
Do ponto de vista da União Europeia (UE), que quer garantir um cessar-fogo em sua vizinhança oriental, o pesquisador avalia que seria prudente negociar com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sobre seu envolvimento no Sul do Cáucaso. Spanger também acredita que a Alemanha, como atual presidente do Conselho da UE, poderia conseguir algo por meio de negociações não oficiais com as partes em conflito. Tal feito já foi observado em 2008 com a França, que, então governada pelo presidente Nicolas Sarkozy, negociou um cessar-fogo na guerra da Geórgia durante sua presidência do Conselho. No caso atual, Merkel já até telefonou para os chefes de governo dos dois países; mas, para Spanger, isso não basta.
Quem poderia mediar?
Como há muitos armênios exilados na França, é improvável que o Azerbaijão aceite os franceses como mediadores neutros neste caso.
Porém, na opinião de Stefan Meister, a UE como tal dificilmente poderá exercer algum efeito na região. "Por questões de segurança, é preferível ficar completamente de fora", disse o chefe do escritório em Tbilisi. Ambos os países fazem parte da Parceria Oriental da UE, mas não existem acordos de associação como o que foi celebrado com a Ucrânia – o que implicaria mais apoio financeiro. "O próprio Sul do Cáucaso é mais uma região marginal na perspectiva de Bruxelas ou mesmo na perspectiva da maioria dos Estados membros", avalia Meister, acrescentando que muita atenção já está voltada para a situação em Belarus, o caso de envenenamento de Navalny ou na agitação política no Quirguistão.
O chamado Grupo de Minsk, da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e cuja presidência é compartilhada por França, Rússia e EUA, é considerado um órgão influente. Os ministros das Relações Exteriores dos três países emitiram uma declaração conjunta pedindo um "cessar-fogo imediato e incondicional". Imediatamente, o ministro das Relações Exteriores turco, Mevlüt Cavusoglu, acusou-os de não terem ideias para solucionar o conflito.
Um vizinho comum, por outro lado, mantém relações muito boas com os dois lados: a Geórgia, com Tbilisi se oferecendo como mediadora várias vezes. "Mas a Geórgia não é um ator decisivo aqui", disse Stefan Meister. "Simplesmente não é forte o suficiente para assumir esse papel."
E quanto ao Irã?
Na fronteira com o Cáucaso, desponta o Irã como uma potência regional – e mais próximo da Armênia do que do Azerbaijão, que, por sua vez, compra armas de Israel, arquiinimigo do Irã. Segundo o Azerbaijão, pelo menos um desses projéteis já atingiu o território iraniano durante os combates no sul de Nagorno-Karabakh. "O Irã observa com muito, mas muito ceticismo o envolvimento da Turquia e à mudança de poder na região", afirma Stefan Meister. Também do ponto de vista iraniano, seria perigoso se o conflito se alastrasse aos países vizinhos, pois muitos azerbaijanos vivem no lado iraniano da fronteira.