Os "zoológicos humanos" da era colonial
10 de janeiro de 2022Em um amplo parque no subúrbio de Tervuren, em Bruxelas, 267 mulheres e homens da colônia belga do Congo eram exibidos como em um jardim zoológico.
Trazidos para a Bélgica a mando do rei Leopoldo 2º, eles foram abrigados em cabanas com telhados de palha em uma falsa "aldeia do Congo", para serem admirados pelo público europeu. Até 40 mil pessoas por dia iam observá-los durante a Feira Mundial de 1897.
Até o final do evento, sete congoleses morreram. Em sua homenagem, o AfricaMuseum de Tervuren – projetado como um museu colonial no final do século 19 e, desde então, reformado e renomeado diversas vezes – realizará até o dia 5 de março uma exposição especial: "Zoológicos humanos: a era das exposições coloniais".
"Superioridade europeia"
Na Conferência de Berlim de 1884-1885, também conhecida como Conferência da África Ocidental ou Conferência do Congo, o continente africano foi dividido entre 14 nações europeias. O rei belga Leopoldo 2º recebeu uma área 80 vezes maior do que o território de seu país para ser sua colônia particular: o Congo.
Seu museu de nome "Palácio Africano" em Tervuren, complementado pelas exposições com atracões vivas, não deixava dúvidas sobre a alegação europeia de uma suposta superioridade. Uma placa de bronze debaixo de uma imagem de Leopoldo 2º com duas crianças negras trazia a seguinte frase: "A Bélgica leva a civilização ao Congo."
Na realidade, porém, os belgas exploraram impiedosamente os recursos do país africano, com os nativos abusados na condição de trabalhadores ou trazidos para a Europa para serem expostos como animais.
Passatempo popular
O zoológico humano atraía multidões, conta o historiador e antropólogo Marteen Couttenier, um dos três curadores da exposição em Bruxelas.
Os congoleses eram apresentados, literalmente, como homens das cavernas, que dançavam com saias de ráfia, cheios de instintos primitivos. Eles jamais eram exibidos como intelectuais, artistas ou simplesmente como pessoas normais.
Isso tampouco era um fenômeno regional, afirma Couttenier. Pessoas de diferentes raças eram expostas e exibidas em toda a parte, na Europa, América, Japão e até na África. O mecanismo, porém, era sempre o mesmo. Os visitantes iam observar algo completamente estranho a eles, de modo a se sentirem "superiores".
Pseudociência de tipos raciais
Durante o auge do colonialismo europeu, exposições de africanos, "pele-vermelhas", ou lapões escandinavos, chamadas de "zoológicos humanos", viajavam por várias cidades como atracão popular. As pessoas exibidas eram classificadas usando-se um tipo rudimentar de antropologia "científica".
Um diagrama de 1903 de "tipos raciais" mostrava como as fantasias racistas de superioridade rebaixavam os não europeus ao nível dos primatas. Os poderes coloniais estavam realmente convencidos de sua "superioridade civilizada".
Na Alemanha, Carl Hagenbeck, comerciante de animais em Hamburgo e fundador de um zoológico, transformou a exposição de humanos em um modelo de negócios. Na Oktoberfest de Munique, a exposição "Selvagens dos mares do sul", apresentada pelo showman Friedrich Wilhelm Siebold, durou até 1931.
Exposição em Berlim sobre "zoos humanos"
A primeira exposição colonial realizada na Alemanha foi em 1896. Como parte de uma feira comercial em Berlim, os organizadores ergueram uma aldeia em um parque no bairro de Treptow.
Atraídos por promessas falsas, mais de 106 africanos das colônias alemãs foram levados para Berlim, onde foram forçados a se apresentarem para o público durante sete meses como aldeões em trajes exóticos. Eles eram constantemente submetidas a humilhações públicas e "exames raciais".
A exposição permanente Zurückgeschaut ("Olhar para trás") no Museu Treptow, reaberta em outubro de 2021, joga luz sobre esse capítulo sombrio e rastreia as biografias de pessoas que eram reduzidas a objetos.
O evento também mostra como os colonizadores inesperadamente encontravam resistência quando as atracões das exposições saíam do papel a eles designado. Por exemplo, quando o camaronês Kwelle Ndumbe comprou um par de binóculos de ópera para observar o público.