Otto Sander, a voz que marcou o cinema alemão
13 de setembro de 2013Na pele do capitão Philipp Thomsen, o ator Otto Sander pode ter afundado com seu submarino, porém se eternizou na história do cinema. Logo no início de Das Boot (no Brasil: O barco – Inferno no mar), de 1981, dirigido por Wolfgang Petersen, ele entra, bastante bêbado, no cassino dos oficiais. A pretexto de brinde, descompõe Hitler publicamente, para então, numa elegante manobra verbal, investir contra Churchill.
Em retrospectiva, O barco revela uma especialidade de Sander: ele não precisava estar no papel principal para atrair sobre si toda a atenção. A ele, bastava uma pequena ponta, por vezes uma única cena, para marcar decisivamente toda uma obra cinematográfica ou cênica.
No princípio, o teatro
Nascido em Hannover, em 30 de junho de 1941, após concluir o curso secundário no início da década de 60, Otto Sander cumpriu o serviço militar na Marinha, indo em seguida para Munique, onde estudou Teoria do Teatro, Literatura, História da Arte e Filosofia.
Em 1964, inscreveu-se no curso de Interpretação Teatral da prestigiada Escola Otto Falckenberg, de onde foi expulso um ano mais tarde por não cumprimento de horários. Mesmo assim, completou sua formação, graças a uma prova externa. Ainda durante o estudo, trabalhou como humorista no Rationaltheater e no teatro Studiobühne, da universidade.
No mesmo ano, atuou pela primeira vez diante das câmeras, no curta-metragem Ludwig, de Roland Klick, representando um intempestivo filho de fazendeiro. No entanto, de início ele se dedicou sobretudo ao teatro, sendo alternadamente contratado pelo Kammerspiele de Düsseldorf, o Teatro Municipal de Heidelberg e a Freie Volksbühne de Berlim.
Nesse último teatro, foi descoberto pelo celebrado diretor Peter Stein, que em 1970 o levou para a recém-inaugurada Schaubühne am Halleschen Ufer. Nessa época, Otto Sander também teve chance de trabalhar com outros diretores de renome, como Claus Peymann, Klaus-Michael Grüber e Luc Bondy.
Na turma do Novo Cinema Alemão
Com frequência, ele representa personagens pacatas e serenas, que apenas ocasionalmente se inflamam. São tipos introvertidos, cujas falhas humanas ele sabe mostrar de modo especialmente convincente.
Sander foi um daqueles atores marcantes que, na década de 70, fizeram a fama da Schaubühne de Berlim como um dos mais importantes palcos do mundo ocidental. Um de seus maiores sucessos é o engenheiro Suslov, na montagem de 1974 de Os veranistas, de Maxim Gorki, mais tarde transformada em filme. Sete anos mais tarde Otto Sander abandonou a Schaubühne.
Paralelamente, participou cada vez mais de filmes, especialmente dirigidos pelos integrantes do Novo Cinema Alemão. Em 1979, foi o trompetista eternamente embriagado de O tambor – laureado com o Oscar, com direção por Volker Schlöndorff e baseado no best-seller homônimo de Günter Grass.
Em Palermo ou Wolfsburg, de Werner Schroeter, assumiu o papel de um promotor público que processa um imigrante siciliano por "crime passional". Em meados dos anos 80, em Rosa Luxemburgo, de Margarethe von Trotta, ele incorporou com vigor o ativista Karl Liebknecht, que, juntamente com a personagem-titulo, fundou o Partido Comunista da Alemanha.
Asas do desejo e depois
Em meio a personagens tão diversas, destaca-se a do anjo Cassiel, em Asas do Desejo, de Wim Wenders (1987). Seis anos mais tarde, na continuação Tão longe, tão perto, ao lado do também grande Bruno Ganz, Sander voltou a hipnotizar as plateias internacionais, num papel inusitado, sensual e melancólico, ao qual a sonora e inconfundível voz de Sander, em especial, confere um caráter "do outro mundo".
Na década de 90 e após a virada do milênio, o ator ainda era visto em numerosas produções cinematográficas, como Comedian Harmonists e Marlene – O mito, a vida, o filme, ambos de Joseph Vilsmaier. No entanto tratava-se, em geral, de personagens menores, frequentemente com problemas de alcoolismo. Desse modo o ator se referia, com autoironia, a seus problemas pessoais.
Na comédia Bis zum Horizont, dann links! (Até o horizonte, aí à esquerda!), de Bernd Böhlich, 2012, Sander apareceu em seu último papel cinematográfico. Ele representou um idoso que, descontente com a vida no asilo, se transformou em sequestrador de aviões.
Hora de se despedir
Otto Sander também emprestou seu timbre marcante a diversos documentários, peças de rádio-teatro e filmes de ficção. Entre esses, O perfume, de Tom Tykwer, e o juvenil Krabat. Por isso, ele também era conhecido nos meios artísticos como "A Voz".
Na produção televisiva Sass, de 2001, atuou ao lado do filho Ben Becker, representando o pai dos dois irmãos Sass, gângsteres que no final de 1920 e início de 1930 deixaram Berlim em polvorosa.
Ele tinha uma ligação afetuosa com Ben e Merit Becker, filhos de sua esposa, a atriz Monika Hansen – embora não tivesse grande talento de educador. Certa vez, Ben, ainda adolescente, deu uma festa em casa e, em certa altura, caiu no chão, bêbado. Sander, que chegara de surpresa, arrastou o rapaz até a mesa e lhe passou um sabão: se ele queria dar uma festa, então que ficasse até o fim, em vez de se despedir antes da hora.
Otto Sander, que lutava há anos contra o câncer, morreu na última quinta-feira (12/09), aos 72 anos.