Eleitor anestesiado
20 de setembro de 2006Ao contrário do que ocorreu há quatro anos, quando a disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra empolgou boa parte do eleitorado, a campanha presidencial de 2006 parece entediar tanto os eleitores brasileiros quanto os analistas políticos no exterior.
"O eleitor brasileiro está anestesiado pela overdose de escândalos de corrupção, como os casos do mensalão, das sanguessugas e agora do dossiê do Serra. Ele não sente a dor, mas sabe que ela existe e que há um motivo para isso. Não é letargia, é anestesia mesmo", disse o pesquisador Gilberto Calcagnotto, do Giga (German Institute of Global and Area Studies/Instituto de Estudos Ibero-Americanos de Hamburgo).
Calcagnotto, que acabou de retornar de uma viagem ao Brasil, avaliou diversos aspectos da campanha em conversa com a DW-WORLD, que reproduz, a seguir, as impressões do pesquisador.
Campanha
"A campanha eleitoral gratuita apresentada em bloco é tecnicamente muito bem feita, mas em geral sem conteúdo polêmico. As polêmicas só partiram de alguns spots isolados, nos quais os ataques chegaram a ser tão fortes que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) teve de intervir, como por exemplo justamente quando o PSDB tratou da corrupção no governo de Lula, no início de setembro.
Para quem lê os jornais desde o último fim de semana, 'o caldo entornou' e a campanha nos palanques – que já estava bastante polêmica – se tornou mais polêmica ainda, levando principalmente à baila o assunto da corrupção, agora com a compra de um dossiê contra Serra, supostamente, pelo PT e com dinheiro do... PCC. Seria o cúmulo, mas o que importa para o resultado das eleições é: qual é a imagem que se conseguirá passar?"
Decepção com a corrupção "civilizada"
"Há uma decepção geral com o quadro político, porque se tem a impressão de que a prática da compra de votos ocorre em (quase) todos os partidos. Por isso, a campanha televisiva gratuita não coloca em evidência o nome dos partidos, particularmente no caso das eleições para o Legislativo. Em primeiro plano está o candidato com sua foto, depois vem o número da legenda, ao qual acresce o do candidato, o que até confunde. É preciso mudar o sistema de listas abertas, tamanho do distrito eleitoral etc.
A reforma política é necessária também para a formação de maiorias mais estáveis no Congresso. Do contrário, Lula terá de continuar formando suas maiorias parlamentares a cada projeto. Ele dá sinais de que quer mudar isso. A reforma política, se for feita, realmente poderá mudar algo, inclusive em termos de prevenção contra a corrupção.
Lula descobriu o veio da luta anticorrupção como arma de propaganda eleitoral – não dificulta tanto a instalação de CPIs e está conseguindo apontar para os sucessos da Polícia Federal e contabilizá-los como conquistas da sua administração. E consegue passar a imagem de que não teve nada que ver com a corrupção em seu governo.
Aparentemente, a corrupção está se tornando mais civilizada. No caso do mensalão, tudo indica que José Dirceu não embolsou o dinheiro, mas o repassou ao partido, assim como Helmut Kohl teria feito no escândalo do financiamento da CDU na Alemanha há alguns anos."
Programas econômicos e sociais
"Os projetos econômicos dos dois candidatos não diferem muito. No todo, porém, Alckmin não é visto como uma real alternativa a Lula, que é muito mais carismático. Lula vende mais dinamismo, personaliza símbolos mais palpáveis de seu programa eleitoral. Alckmin, apelidado de picolé de chuchu, até passa uma boa impressão na televisão, mas não convence o eleitorado e deve ficar com o voto não entusiasmado da minoria.
Lula ainda é favorecido pelo fato de que a cesta básica está mais barata, a economia funciona (embora com soluços conjunturais), a inflação está sob controle, os juros estão baixando, os programas sociais, como o Bolsa Família, alcançam seus públicos. E isso é o que parece importar para o eleitor."
Segurança pública
"Na campanha eleitoral, a questão da segurança pública não tem tido o peso esperado. Alckmin não foi ajudado pelo susposto combate ao PCC pelo governo de São Paulo, embora passe a impressão de que tem capacidade administrativa.
No exterior, a questão da segurança só tem repercussão em meios especializados, por exemplo, entre os investidores. Isso se deve – entre outros motivos – ao fato de que, além dos altos impostos pagos no Brasil (37% do PIB), são cada mais elevados os gastos privados com segurança."
Repercussão internacional
"A eleição brasileira está tendo pouco espaço na mídia internacional, primeiro porque parece decidida. Além disso, o Brasil é visto como um líder dos países emergentes (por exemplo, nas negociações da OMC, ou na OMS – o programa de combate à Aids é modelo) e a eleição já faz parte da rotina.
Tem-se a impressão que tudo está encaminhado no país e que Lula dará continuidade ao caminho trilhado em seu primeiro mandato. Fora a questão do gás com a Bolívia, a política internacional parece não ser destaque na campanha eleitoral."
Lula e os intelectuais
"O meio cultural e intelectual brasileiro está dividido em relação ao governo Lula. Há artistas e intelectuais que o apóiam, alguns até justificando o tipo de corrupção "civilizada" para fins nobres, mas outros que se mostram decepcionados, alguns condenando a corrupção e inocentando Lula, outros o rejeitando agora por completo.
O meio acadêmico alemão vê Lula hoje de uma maneira bem mais sóbria do que há quatro anos. Eles vêem as coações e coerções de todos os tipos que constrangem a atuação de Lula de acordo com o programa de seu partido. Mas são poucos os que acreditam que ele não sabia nada sobre a corrupção em seu governo."