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Pé na praia: Tayri e suas duas esposas

Thomas Fischermann8 de junho de 2016

Em viagem pelos rincões do Brasil, Thomas Fischermann descobriu que o patriarcado está caindo em desuso até mesmo entre as tribos indígenas da Amazônia.

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Jornalista Thomas Fischermann, autor da coluna Pé na Praia da DW Brasil
Foto: Dario de Dominicis

Rodovia Transamazônica (BR-320), quilômetro 138. Tenho uma conversa com um velho sobre as mulheres. Tayri, de 64 anos, é o segundo cacique numa aldeia indígena no Amazonas. Tem duas esposas e reage ao tema poligamia de forma sensível. "Faz parte da nossa cultura", diz Tayri. "Toda vez que alguém toca no assunto das duas mulheres, eu respondo com orgulho: É assim com a gente. Podemos ter até mesmo quatro mulheres!"

Tayri sabe muito sobre a sua cultura. Carrega na cabeça um cocar de penas coloridas que ele mesmo fez e usa nas visitas e ocasiões especiais. Ainda fala a língua antiga, um dialeto do Tupi-Guarani, e a ensina às pessoas mais jovens de seu povo. Aos seus pés, tem um pote de margarina com uma pasta de coquinhos fermentados que ele fica mexendo com o dedo indicador. Pode ser usada tanto como pintura corporal preta ou – se fortemente diluída – como tinta para cabelos. "A substância escurece os cabelos e preserva a força de um homem", diz Tayri. Abaixo de seu cocar surge uma mexa preta. "Tira tudo de ruim do corpo, até mesmo as dores de cabeça desaparecem."

Flautear, caçar, cantar, fazer guerra: seu povo ainda sabe dessas coisas tão bem como antigamente. Quando Tayri era jovem, andava nu pela floresta como um nômade. Só uma coisa não dá mais certo nos novos tempos: esse assunto das muitas esposas. "A juventude de hoje está deixando isso para lá", lamenta o segundo cacique. E olha criticamente para seu sobrinho, que ao seu lado segura um bebê. O jovem diz: "Ninguém mais pode se dar esse luxo. Os mais velhos simplesmente iam à floresta e pegavam a sua comida. Já hoje, as crianças têm que ir à escola, e isso custa muito dinheiro."

Tayri provoca: e como seria se encontrasse um balde cheio de ouro na floresta? Ou se ganhasse na loteria? Você casaria mais uma vez e retornaria às origens da sua cultura? "Aí eu tenho que perguntar à minha mulher", diz o jovem e ri.

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.