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Para Brasil, COP28 não capta "senso de urgência"

Nádia Pontes enviada a Dubai
5 de dezembro de 2023

Diplomacia brasileira critica falta de esforços das nações rumo a um compromisso global ambicioso para evitar uma catástrofe climática. Por outro lado, país se abstém de propor fim do uso de combustíveis fósseis.

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Pessoas protestam com cartazes
COP28 é criticada por ativistas por ser realizada em um país grande exportador de petróleo e ter como presidente o dirigente de uma petroleiraFoto: Amr Alfiky/REUTERS

Ao fim da primeira semana de negociações na Conferência do Clima (COP28) em Dubai, a diplomacia brasileira está insatisfeita com o andamento das tratativas de se chegar a um acordo global que realmente faça a diferença. Para André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil, o senso de urgência não aparece, até agora, no documento que deve ser divulgado ao final do evento.

"Estamos na missão 1,5°C, este é o espírito do Brasil. O senso de urgência do que precisa ser feito para não ultrapassarmos este limite de aquecimento do planeta não está refletido no texto", declarou Lago numa coletiva de imprensa nesta terça-feira (05/12).

Pelas metas do Acordo de Paris, para evitar uma catástrofe global, a temperatura média do planeta não pode subir mais do que 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais 

Questionado pela DW sobre a disposição do Brasil de defender na COP28 um prazo para o fim do uso de combustíveis fósseis, Lago disse que o debate internacional sobre o tema ainda não está estruturado.

"Uma [coisa] é o que os países podem fazer individualmente, dentro dos seus territórios, para lidar com isso. A outra coisa é como esse debate ocorrerá internacionalmente. E o debate internacional ainda não está estruturado", destacou.

O governo federal deixou claro que vai continuar investindo em combustíveis fósseis. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Junqueira, defendeu a perfuração na Foz do Amazonas, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua passagem pela COP28, minimizou a entrada do país para o clube internacional do petróleo (Opep+).

"O Brasil é um país com muitas opções de energia. A sociedade brasileira, de forma democrática e bem informada, tem que debater  como vamos lidar com isso", pontuou Lago sobre a exploração de petróleo.

Para Luciana Gatti, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe) que acompanha a conferência em Dubai, o sentimento é de decepção. Gatti mostrou em artigos publicados na revista Nature que a Floresta Amazônica, devido ao desmatamento, está perdendo a sua capacidade de absorver dióxido de carbono, um dos gases que mais contribui para as mudanças climáticas.

"Não vamos a lugar nenhum assim. Com uma mão, reduzimos a emissão ao cortar o desmatamento. Com a outra, aumentamos as emissões explorando mais petróleo. É uma incoerência muito grande", declarou à DW.

O peso da indústria do petróleo

Um levantamento divulgado pela coligação Kick Out Big Polluters nesta terça-feira mostra que a COP28 foi tomada pela indústria do petróleo. No ano em que a temperatura média global bateu recorde, o setor compareceu em peso nas negociações: quase 2.500 representantes se inscreveram para participar da conferência, quatro vezes mais do que a edição passada, no Egito.

Mulheres indígenas usam cocar e pintura característica de suas tribos
Delegação brasileira é uma das mais numerosas, com 3.081 pessoas registradasFoto: Sean Gallup/Getty Images

São mais lobistas de combustíveis fósseis com acesso à COP28 do que quase todas as delegações de países. Os 2.456 representantes de petroleiras são superados em número apenas pela delegação brasileira, com 3.081 pessoas registradas, e pelos anfitriões, Emirados Árabes Unidos, com 4.409 participantes.

 "Você realmente acha que a Shell, a Chevron ou a ExxonMobil estão enviando lobistas para observar passivamente essas negociações? Para promover soluções climáticas em benefício das comunidades cujo ar e água poluem? Para colocar as pessoas e o planeta acima do lucro e dos seus dólares gananciosos?", questiona Alexia Leclercq, cofundadora da coligação.

Para os ativistas, a presença das empresas do setor impede o avanço das negociações. "Eles são a razão pela qual a COP28 está envolta numa névoa de negação climática, e não na realidade climática", afirmam.

Negação no ar

Antes do início da conferência, o presidente da COP28, Sultan Al Jaber, disse numa transmissão ao vivo que "não há ciência" que comprove a necessidade da redução do uso de combustíveis fósseis para frear os efeitos da mudança climática. Numa coletiva de imprensa feita durante as negociações, Al Jaber sentou-se ao lado de cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e alegou que foi mal interpretado.

A reunião já havia começado sob a polêmica nomeação de Al Jaber para chefiar a rodada, já que ele também é chefe da petroleira estatal dos Emirados Árabes.

Os cientistas reunidos no IPCC não deixam dúvida de que o uso do petróleo é a maior fonte de gases de efeito estufa. Segundo a ONU, para manter o aquecimento do planeta em 1,5°C, como manda o Acordo de Paris, é necessário reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa pela metade até 2030.

Durante a COP28, a Organização Mundial de Meteorologia divulgou dados preliminares, apontando que, desde a era pré-industrial, a queima de petróleo, gás natural e carvão já provocou uma alta de 1,4°C na temperatura média da Terra. E os cientistas associam a alta da temperatura ao aumento do nível do mar, à frequência e intensidade de eventos extremos e ao desequilíbrio de ecossistemas.

"Com o apoio do Brasil ao petróleo, o país perde a oportunidade de se colocar como aquele que aponta mesmo a solução. Mostra também que o que mais interessa é fazer dinheiro, e não o que tem que ser feito para evitar o colapso climático", critica Gatti.

Como saber se as mudanças climáticas afetam uma floresta?