Para maioria da população, mulher tem culpa em estupros
28 de março de 2014Mesmo com a ampliação dos debates sobre violência contra mulheres e iniciativas como a Lei Maria da Penha, de 2006, a sociedade brasileira ainda mantém opiniões machistas e acha que o comportamento da mulher tem influência no número de estupros, segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os pesquisadores pediram que os entrevistados dissessem se concordavam ou não com frases como "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" e "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Para a primeira, 65% dos entrevistados disseram concordar total ou parcialmente. Para a segunda, o percentual é de 58,5%.
Os dados sobre a percepção acerca da violência contra a mulher são do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), do Ipea, divulgado nesta quinta-feira (27/03) em Brasília.
"Esse é um resultado extremamente preocupante, que remete mais uma vez à mentalidade patriarcal que ela leva a esse tipo de percepção", comentou o diretor de estudos e políticas sociais do Ipea, Rafael Osório. "É extremamente desanimador constatar que, depois de tanto progresso, ainda encontramos essa percepção amplamente disseminada."
Apesar do cenário predominantemente machista, o estudo também mostrou que 90% da população concorda que homens que agridem mulheres devem ser punidos com a prisão.
Subnotificação dos estupros
Um segundo documento inédito apresentado nesta quinta-feira pelo Ipea revela que todos os anos no Brasil acontecem ao menos 527 mil casos de estupro, mas apenas 10% são registrados na polícia.
Para o diretor de estudos e políticas do Estado, das instituições e da democracia do Ipea, Daniel Cerqueira, a falta de estatísticas em âmbito nacional dificulta o processo de elaboração de políticas públicas eficientes. "As bases de dados são segmentadas, não existe um banco de dados nacional nem sincronia dessas informações", disse.
O estudo também mostrou que, em 70% dos casos notificados, as vítimas são crianças e adolescentes e os agressores, na maior parte dos casos, são ou pais/padrastos (24,1%) ou conhecidos (32,2%) das vítimas. "Esse é um quadro de sintoma de uma doença coletiva, e é uma situação muito complexa de ser resolvida", opinou Cerqueira.
Brigas privadas e intervenção do Estado
De acordo com a pesquisa sobre a percepção da violência contra a mulher no Brasil, 64% das pessoas concordam que a família deve ser chefiada pelo homem e 82% acham que não se deve interferir em brigas entre marido e mulher. Os dados reforçam a presença ainda forte do chamado ordenamento patriarcal, em que o homem detém o mando sobre o espaço doméstico.
A pesquisa também mostrou que o percentual de pessoas que acredita que brigas entre marido e mulher devem ser resolvidas no âmbito particular é similar (87%) ao percentual de pessoas que defendem prisão para os agressores (90%). Segundo o Ipea, os dados mostram que, quando os conflitos passam para a violência física, os entrevistados disseram concordar com intervenções externas, por exemplo do Estado.
Segundo os pesquisadores, "embora o homem ainda seja percebido como o chefe da família, seus direitos sobre a mulher não são irrestritos e excluem as formas mais abertas e extremas de violência".
"Vemos que as pessoas estão fazendo distinção entre formas de violência que deveriam levar à intervenção do Estado na vida provada. As pessoas tendem a encarar a violência física como intolerável, mas há outros tipos de brigas que as pessoas acham que devem ser resolvidas na esfera privada", detalha Osório.
Relações homossexuais
Perguntados se concordam com a possibilidade de casais de pessoas do mesmo sexo terem os mesmos direitos dos outros casais, 50% dos entrevistados disseram que sim. Para o Ipea, essa aceitação deve-se ao fato de se tratar de um conceito e não necessariamente uma situação prática.
Evidência disso é o percentual de 52% de pessoas que concordam com a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o percentual de 59% que dizem se sentir incomodadas ao ver demonstrações públicas de afeto entre duas mulheres ou dois homens.
A pesquisa também cruzou os dados com a orientação religiosa e os resultados mostram que os evangélicos são o grupo mais intolerante à homossexualidade.