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Parceria em exploração de lítio gera protestos na Bolívia

Rosa Muñoz Lima pv
9 de outubro de 2019

Salar do Uyuni é o maior deserto de sal do mundo e abrange mais de 50% da reserva global de lítio. Cooperação germano-boliviana enfrenta desafios sociais e ambientais, além de exigências por maior participação regional.

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Salinas no Salar de Uyuni, no departamento boliviano de Potosi
O Salar de Uyuni, o maior e mais alto deserto de sal do mundo, é estimado conter mais de 50% da reserva global de lítioFoto: picture-alliance/dpa/P. Crooker

O Salar de Uyuni, localizado no departamento boliviano de Potosí, não é apenas o maior deserto de sal do mundo ou a melhor atração turística natural da América do Sul, segundo World Travel Awards 2019, mas é considerado o maior reserva de lítio do mundo. Estima-se que no Salar de Uyuni estão cerca de 21 milhões de toneladas do chamado "ouro branco", provavelmente mais de 50% da reserva global.

A industrialização do lítio é uma das principais apostas do governo de Evo Morales. Em outubro de 2018, a estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) elegeu a empresa alemã ACI Systems como parceiro estratégico para Uyuni. Desde então, o Comitê Cívico Potosinista (Comcipo) tem exigido detalhes do contrato.

Na imprensa boliviana, um analista local questionou que a YLB, com 51% das ações, associou-se à ACI Systems, com 49% das ações, "apesar de não possuir a capacidade técnica para desenvolver e implementar um projeto de mineração de lítio complexo, como no Salar de Uyuni, e muito menos um projeto de fabricação de material catódico e baterias de lítio com tecnologia de ponta".

Um ano depois, nesta semana, Marco Pumari, líder do Comcipo, iniciou juntamente com outro ativista uma greve de fome pelo cancelamento do contrato com a ACI Systems – além de outro acordo com uma empresa chinesa. "A empresa alemã se dedicou a comercializar painéis e, pior, nem sequer tem dinheiro, porque de maneira conjunta, o Estado boliviano e a empresa foram buscar financiamento", queixou-se Pumari em entrevista ao diário La Razón.

O desafio técnico

A ACI Systems Alemania (ACISA), subsidiária do Grupo ACI "estabeleceu-se como um parceiro estratégico devido ao seu enfoque tecnicamente coerente e sustentável", segundo Wolfgang Schmutz, diretor-executivo da empresa alemã, em resposta via comunicado a uma consulta da DW.

Ao realizar o projeto de "recuperação de hidróxido de lítio de salmoura residual [no Salar de Uyuni], a ACISA conta com o respaldo de uma sólida rede de especialistas internos e externos, empresas e instituições como a K-UTEC Salt Technologies, o Instituto Frauenhofer e a VDAM [Associação Alemã da Indústria de Engenharia Mecânica]", enumerou Schmutz.

"A mineração não funciona sozinha, apenas entre as empresas alemãs", explicou Hubertus Bardt, diretor administrativo e chefe do departamento de pesquisa do Instituto de Economia Alemã (IW), com sede em Colônia. Empresas de desenvolvimentos de projetos, como a ACI Systems, buscam externamente as capacitações que não possuem.

Protestos na Bolívia

Em Potosí, a greve de fome de Pumari e seu colega recebeu o apoio na segunda-feira (07/10) de marchas de protesto e bloqueios de ruas – os manifestantes exigiam a revogação da sociedade mista entre YLB e ACISA e que sejam aumentados os royalties pela exploração do lítio de Uyuni.

O governo boliviano levou mais de dez anos com "a suposta industrialização do lítio e, até o momento, não há resultado concreto, muito menos benéfico para o departamento de Potosí", reclamou Pumari. A legislação de mineração e metalurgia estabelece um royalty de 3% em favor da região pela exploração do carbonato de lítio, do cloreto de potássio e de outros minerais.

Marco Antonio Pumari, presidente do Comitê Cívico Potosinista (Comcipo), durante sua greve de fome em protesto pela mineração de lítio no Salar de Uyuni
Marco Pumari, presidente do Comcipo, em greve de fome em protesto pelo acordo de mineração de lítio no Salar de Uyuni Foto: REUTERS

Mas o presidente do Comcipo denunciou "que o governo está entregando nossos recursos naturais". Segundo assegurou, a sociedade mista entre YLB e ACISA terá ao seu dispor "por mais de setenta anos a comercialização e produção de hidróxido de lítio no Salar de Uyuni e, infelizmente, não pagará um centavo ao departamento de Potosí".

"Desconhecemos até que ponto o Estado boliviano envolverá a população nos lucros do projeto. A ACISA não tem influência nisso", reconheceu Schmutz, o diretor-executivo da subsidiária alemã. No entanto, ele afirmou ter desenvolvido em cooperação com parceiros um processo de produção "inédito a nível mundial" que permite "captar eficientemente alta qualidade e quantidade de lítio a partir da salmoura residual derivada da produção de cloreto de potássio da YLB". Essa salmoura, da qual é extraído o hidróxido de lítio, era antes descartada, segundo Schmutz.

"A joint venture brinda a Alemanha e a Europa com acesso direto à matéria-prima do lítio", admitiu Schmutz. Mas a Bolívia, por sua vez, tem acesso à tecnologia para a extração e industrialização dessa matéria-prima. Segundo Schmutz, parte essencial numa joint venture estabelece que "dois parceiros criam o que um sozinho não consegue".

Os investimentos necessários para que sociedade mista entre YLB e ACISA cumpra seu objetivo de produzir hidróxido de lítio "atualmente somam cerca de 300 milhões de euros, segundo estudos de viabilidades", afirmou Schmutz, em entrevista à DW. E o financiamento é executado de acordo com a participação de cada parte na sociedade – 51%, da YLB, 49% da ACISA.

O acordo assinado estipula que "parte do lítio obtido permanecerá na Bolívia e a ACISA cumprirá esse acordo", garantiu Schmutz, sem especificar qual será a quantidade restante de lítio na Bolívia.

A Alemanha necessita de lítio "para a indústria automobilística, se quisermos avançar com mais força na eletromobilidade", apontou Bardt. Segundo o diretor administrativo do IW, a Bolívia "pode desempenhar um papel importante nesse sentido", contribuindo para o seu sucesso "como exportador" no mercado internacional.

Seguindo essa lógica, Schmutz acrescentou que "foi acordado que, posteriormente, será estabelecida uma nova joint venture para a produção de material catódico e sistemas de bateria na Bolívia". E também para estes planos, a empresa alemã afirmou apostar em "contatos com [outras] empresas alemãs e europeias, interessadas em participar como parceiras tecnológicas".

Desafios sociais e ambientais

"Assumimos responsabilidade", com foco em "pessoas e sustentabilidade", promete a ACISA em sua página na internet. No nível social, fazem parte desta promessa a criação de cerca de mil empregos diretos e até 10 mil indiretos, "numa região econômica fraca"; a qualificação dos funcionários e a transferência de tecnologias de ponta e conhecimento técnico para a sociedade boliviana; além de fornecer parte dos benefícios e uma fundação para a educação e o treinamento de jovens bolivianos.

Em relação à transferência de conhecimento, os bolivianos trabalharão na Alemanha, com parceiros tecnológicos da ACISA, como a K-UTEC, e participarão da construção de instalações de produção na Bolívia, detalhou Schmutz. Desta forma, logo na primeira etapa da cooperação devem ser criados entre 250 e 300 empregos, "dos quais uma grande proporção será de funcionários bolivianos", garantiu.

Na questão ambiental, o diretor-executivo da ACISA afirmou que foi reduzida "pela metade" a quantidade de água normalmente necessária para produzir hidróxido de lítio. Além disso, "para reduzir a pegada de carbono, cerca de 20% a 30% da demanda de energia será coberta com energia renovável, gerada localmente no Salar de Uyuni", acrescentou Schmutz.

Para informar a população local sobre o projeto, a ACISA comunicou estar trabalhando com organizações não governamentais como Brot für die Welt e Misereor – programas sociais das igrejas evangélica e católica na Alemanha, respectivamente. "Haverá eventos informativos para a população da região que tematizarão, entre outras coisas, de maneira compreensível para o público, a compatibilidade ambiental e social do projeto", ilustrou Schmutz.

As empresas alemãs são consideradas "provavelmente mais sujeitas do que suas contrapartes chinesas à pressão da opinião pública nacional" para atender a certos padrões sociais e ambientais, sugeriu Brandt. "Para a Alemanha, seria uma força demonstrar que a extração de matérias-primas pode ser respeitosa socialmente e ambientalmente, e que ainda é possível lucrar mesmo assim."

No entanto, o analista econômico advertiu que "isso é algo que precisa ser demonstrado na prática". Algo que depende do compromisso das empresas envolvidas, das condições impostas pelo Estado boliviano, assim como das marcas alemãs reconhecidas como a Volkswagen, que pretendem fornecer lítio ou farão uso das baterias de lítio e cujas imagens podem sofrer arranhões caso os padrões não forem atendidos.

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