"Pedido de ajuda à ONU evidencia incompetência de Maduro"
27 de março de 2017A escassez de medicamentos na Venezuela fez com que o presidente Nicolás Maduro pedisse, na última sexta-feira (24/03), ajuda à ONU para "regularizar" o problema e lidar com a crise econômica que assola o país.
Segundo a Pesquisa Nacional de Hospitais 2017, divulgada neste mês, 78% dos centros hospitalares sofrem com a falta de remédios, e 51% das salas de operações não estão funcionando.
E entrevista à DW, o jornalista Juan Francisco Alonso, baseado em Caracas, alerta que as vidas de 4 milhões de pessoas estão em risco no país. "Na Venezuela, há pessoas que morrem porque não há medicamentos para tratá-las", diz. "Pedir ajuda é o reconhecimento da incompetência do governo de resolver ele mesmo os problemas."
Deutsche Welle: Agora é oficial. A Venezuela solicitou ajuda à ONU, apesar de o problema de abastecimento já existir há muito tempo. Por que, precisamente agora, foi feito esse pedido?
Juan Francisco Alonso: Não se conhece a resposta para essa pergunta. Maduro não deu nenhuma explicação por que deu esse passo precisamente agora. Nesta manhã [25.03.] houve notícias de que havia vários barcos carregados nos portos venezuelanos, mas que não descarregaram porque a mercadoria não estava paga. Ninguém quer emprestar dinheiro para o governo nem fiar mercadorias. Mas agora está claro que o governo não pode resolver sozinho esses problemas e, por isso, pede ajuda humanitária. A situação é extremamente crítica, especialmente quanto a medicamentos.
O pedido de Maduro tem precisamente a ver com os remédios. Até que ponto é complicada a situação nos hospitais venezuelanos e quanto a consultas médicas?
Há organizações que calculam que as vidas de 4 milhões de pessoas estejam em risco na Venezuela. Estamos falando de mais de 200 mil pessoas com hipertensão e outras doenças como câncer e infecções com o vírus da aids. A gravidade do problema fica clara se somarmos quantas pessoas estão com acesso restrito ou nulo a medicamentos. Na Venezuela, há pessoas que morrem porque não há medicamentos para tratá-las. Além disso, faltam equipamentos médicos. O governo tem culpa disso tudo, pois ele deve garantir o direito à atenção médica e não o cumpre.
Não é irônico que Maduro se dirija à ONU? Caracas sempre viu o fantasma do imperialismo americano por trás dessa instituição.
Maduro nunca criticou diretamente a ONU. Ele atacou especialmente as pessoas que incentivaram a Venezuela a pedir apoio à instituição. E criticou aqueles que usaram o termo "ajuda humanitária". Embora ninguém nunca dissesse oficialmente, muitos pensam que a ajuda humanitária poderia abrir as portas para uma intervenção estrangeira. Essas pessoas pensam realmente que, se pedirem comida e remédios à ONU, os capacetes azuis virão ao país para distribuí-los à população.
Mesmo assim, o pedido de ajuda é uma derrota para a política de Maduro.
Certamente. É o reconhecimento da incompetência do governo de resolver ele mesmo os problemas. Eu vejo isso como o que acontece quando se recorre aos Alcoólicos Anônimos. O primeiro passo é reconhecer o vício. No caso da Venezuela, isso significa que o governo deve admitir que o modelo econômico não funciona e mudá-lo. Isso o governo não quer fazer. Mas o pedido de ajuda é uma declaração não oficial de que a situação é realmente séria. E que nunca antes se havia registrado na Venezuela uma situação como a atual. Essas coisas acontecem no Haiti, mas não em um país que, há três anos, ainda tinha receitas abundantes provenientes do petróleo. Naquele momento já havia sintomas de problemas. Agora que o dinheiro não flui mais aos montes, não há nada que possa esconder os problemas, e estes se mostram com toda a sua dureza.
O que a ONU pode fazer para resolver o problema de abastecimento de medicamentos na Venezuela?
Isso pode levar tempo. Porque se trata de recuperar um sistema de saúde por completo. Para aliviar a necessidade mais imediata, seriam necessários duas centenas de navios cheios de medicamentos. Depois, deve ser retomada a produção de remédios. Bayer e outras empresas farmacêuticas têm fábricas no país, mas não produzem nada, porque lhes faltam matérias-primas. Também os equipamentos hospitalares devem ser consertados e, para isso, precisamos de materiais de reposição. Além disso, temos que encontrar substitutos para os quase 19 mil médicos que abandonaram o país nos últimos anos.