Perseguição a homossexuais dificulta luta contra a aids na África
23 de julho de 2014Yaoundé, Camarões, 15 de julho de 2013: o jornalista e ativista gay Eric Lembembe foi encontrado morto em sua casa. Segundo depoimentos de amigos do jornalista à polícia, o corpo dele tinha sinais de tortura. Uma investigação sobre o caso foi aberta, mas não chegou a nenhum resultado.
O vice-chefe da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) em Camarões, Drissa Traore, ficou indignado com o resultado. "Provavelmente ninguém foi interrogado. Nenhum progresso foi feito", disse Traore à DW. Segundo ele, há falta de vontade por parte do governo de dar continuidade às investigações do caso.
Este não é um bom momento para as minorias sexuais na África. No início do ano, os presidentes da Nigéria e de Uganda, Goodluck Jonathan e Yoweri Museveni, respectivamente, assinaram leis impondo duras sanções – entre elas, prisão perpétua – a homossexuais.
Até mesmo em países africanos onde há alguma flexibilidade e leis contra homossexuais existem, mas não são aplicadas, ativistas de direitos humanos reclamam que as atitudes homofóbicas de governos incentivam o preconceito contra gays e lésbicas.
Segundo Traore, o fracasso em investigar de maneira adequada o assassinato de Lembembe apenas favorece aqueles que perseguem homens e mulheres homossexuais – e também aqueles que defendem os perseguidores. "Em Camarões e nas regiões sul e central da África, os homossexuais são forçados a se esconder", disse ele.
Risco para a saúde
Para Neela Goshal, da Human Rights Watch (HRW) no Quênia, raramente a polícia ajuda nesses casos. "Hoje em dia, em muitos países da África, se você é parte da comunidade LGBTI [lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais], for vítima de algum crime e procurar a polícia, em vez de registrar sua queixa eles normalmente zombam de você, perguntando sobre sua orientação sexual e, em alguns casos, você até corre o risco de ser preso."
Traore explica que, quando os homossexuais são forçados a entrar numa esfera de ilegalidade, há muitos efeitos negativos, como a dificuldade em combater a aids.
Este é um problema que especialistas em saúde observam particularmente em Uganda, onde até mesmo o contato com homossexuais pode resultar numa dura pena de prisão. Assim, campanhas de sensibilização pública e aconselhamento de saúde são ações quase impossíveis de serem realizadas.
"Na luta contra a aids, Uganda costumava estar na vanguarda", disse o porta-voz da ONU para direitos humanos, Charles Radcliffe, numa entrevista à agência alemã de notícias EPD. "Está estatisticamente provado que países que criminalizam homossexuais têm taxas maiores de infecção por HIV."
Comissão Africana
Segundo a Comissão Africana para Direitos Humanos e do Povo (ACHPR, na sigla em inglês), localizada em Gâmbia, membros da comunidade LGBTI deveriam ter a mesma proteção que todos os africanos têm.
Numa resolução aprovada em maio de 2014, a comissão pediu que todos os países africanos protegessem seus cidadãos contra atos de violência perpetrados "com base em sua orientação sexual ou identidade de gênero".
Os países-membro também deveriam garantir que "ativistas de direitos humanos possam trabalhar num ambiente produtivo livre de estigmas, represálias ou perseguição criminal como resultado de suas atividades para proteger os direitos humanos, incluindo os direitos de minorias sexuais".
Para Ghoshal, da Human Rights Watch, esse é um grande passo para frente. "Esta é a primeira vez que um órgão continental africano faz um pronunciamento forte se opondo à violência sofrida pela comunidade LGBTI", afirmou.
Um dos 11 membros da Comissão Africana é Reine Alapini-Gansou, do Benim. Outros integrantes vêm de Uganda e da Nigéria. A comissão é independente e tem apenas uma voz, garantiu Alapini-Gansou.
Segundo ela, em relação ao seu trabalho em defesa dos direitos humanos, o órgão chama a atenção, de maneira consistente, às necessidades dos homossexuais.
"Nós reagimos com um comunicado de imprensa à nova legislação em Uganda e estamos constantemente apelando para o governo lá", disse ela em entrevista à DW.
As decisões tomadas pela comissão não têm efeito de lei, mas Ghoshal ressalta seu valor simbólico. Segundo ela, ativistas no Quênia, em Uganda, em Botswana e na Nigéria podem usar isso para pressionar seus governos e cobrar uma melhora em suas realidades locais.
Iniciativa africana
Organizações africanas que lutam por direitos de lésbicas e gays foram os responsáveis por pressionar pela resolução e até chegaram a esboçar um rascunho, disse Ghoshal. O fato de que a iniciativa partiu da África não é um mero detalhe.
O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, chegou a afirmar que a homossexualidade era uma "moda ocidental", incompatível com as tradições africanas. A nova – e rígida – legislação que lida com o tema foi assinada por ele apesar da pressão exercida por diversos políticos de alto escalão na esfera internacional.
De acordo com Alapini-Gansou, o Ocidente não teve influência alguma na resolução da Comissão Africana. Os integrantes do órgão focaram sua atenção em textos africanos, como a Carta Africana para Direitos Humanos.
"Ninguém pode dizer que a homossexualidade é uma invenção ocidental ou oriental e que a África é uma exceção", disse ela. "Essas pessoas precisam saber que a homossexualidade é um fenômeno humano."
Segundo ela, os Estados africanos têm a obrigação de respeitar seus próprios fundamentos jurídicos e de proteção contra a perseguição, além de garantir o direito de integridade física e mental a todos seus cidadãos de maneira igualitária.