Polonesas fazem greve contra restrição ao aborto
28 de outubro de 2020Em várias cidades polonesas, milhares de pessoas, em maioria mulheres, deixaram de ir ao trabalho e saíram às ruas para protestar na noite desta quarta-feira (28/10) contra o endurecimento da lei do aborto. Este é o sétimo dia seguido de protestos desde a polêmica decisão da Justiça do país proibindo interrupção da gravidez em casos em que o feto apresenta deformações graves irreversíveis.
Apesar das rígidas restrições de reuniões públicas devido à pandemia de coronavírus, a Polônia tem registrado manifestações maciças contra a decisão, tanto em áreas urbanas mais liberais quanto em cidades menores tradicionalmente conservadoras.
Dezenas de milhares de mulheres e homens, em sua maioria jovens, deixaram seus locais de trabalho e inundaram as ruas de várias cidades na quarta-feira, incluindo Gdansk, Lodz, Poznan, Varsóvia e Breslávia, atendendo a uma convocação para uma "greve nacional de mulheres".
A mídia local informou que funcionários – tanto homens como mulheres – de instituições públicas, universidades e do setor privado deixaram de ir ao trabalho.
Em Varsóvia, os manifestantes se concentraram diante da sede de uma organização de juristas ultracatólicos, a Ordo Iuris, na origem de várias iniciativas pela proibição total do aborto, antes de se dirigirem para as instalações da televisão pública TVP, considerada o principal órgão de propaganda do governo conservador.
Debate reflete polarização social
Na quinta-feira passada, o Tribunal Constitucional da Polônia decidiu que a realização de abortos por anormalidade fetal viola a Constituição. A decisão significa uma proibição quase total da interrupção da gravidez em um país que já tem algumas das leis abortivas mais rigorosas da Europa.
O debate sobre o aborto reflete a ampla polarização da sociedade polonesa, um país-membro da União Europeia (UE) que tem um governo nacionalista e populista de direita defensor de valores religiosos tradicionais.
Antes da decisão, que é inapelável, a Polônia permitia abortos apenas por anomalias fetais, ameaça à saúde da mãe ou em caso de incesto ou estupro.
Mas, na prática, a esmagadora maioria dos abortos legais – 1.074 dos 1.100 realizados oficialmente no ano passado – é motivada por anormalidades fetais, razão que agora foi vetada.
ONGs estimam que o número de abortos realizados clandestinamente na Polônia ou por polonesas em clínicas estrangeiras chegaria a quase 200 mil por ano.
Em um movimento sem precedentes na Polônia profundamente católica, logo após o anúncio da decisão ativistas fizeram manifestações dentro de igrejas e espalharam pichações nas paredes externas dos templos católicos.
Revolta no Parlamento
No Parlamento na terça-feira, parlamentares de centro e de esquerda, em sua maioria mulheres, ergueram faixas e gritaram slogans contra a decisão, diante do poderoso líder do partido governista, Lei de Justiça (PiS), Jaroslaw Kaczynski, considerado o homem forte do país.
O presidente do Parlamento, Ryszard Terlecki – que é membro do PiS – comparou o símbolo do movimento de protesto, um relâmpago vermelho, a logotipos nazistas.
Kaczynski, que também é vice-primeiro-ministro, acusou os manifestantes de tentar "destruir" a nação e reuniu membros do partido para defender as igrejas católicas.
Falando no Parlamento na quarta-feira, visivelmente irritado, Kaczynski disse que os organizadores do protesto são "criminosos" por convocarem as pessoas para irem às ruas em um momento em que a Polônia está experimentando um aumento recorde de infecções e mortes por coronavírus.
Membro da UE com 38 milhões de pessoas, a Polônia relatou na quarta-feira 18.820 novos casos de coronavírus e 236 mortes nas últimas 24 horas. Manifestantes se reuniram fora do Parlamento enquanto Kaczynski falava.
O governo PiS prometeu reprimir os protestos, mas as manifestações de quarta-feira ocorreram sem incidentes. A mídia local tem mostrado alguns policiais, homens e mulheres, batendo palmas enquanto os manifestantes passam.
Os oponentes da decisão argumentam que ela coloca em risco a vida das mulheres ao forçá-las a ter gestações inviáveis, mas seus defensores insistem que isso evitará o aborto de fetos com diagnóstico de Síndrome de Down.
De acordo com uma pesquisa de opinião realizada pela Fundação Ibris publicada na quarta-feira, cerca de 66% dos entrevistados se opõem à decisão, enquanto 69% desejam um referendo sobre se as mudanças devem entrar em vigor.
MD/afp/dpa/lusa