Polícia indicia bolsonarista, mas descarta motivo político
15 de julho de 2022A Polícia Civil do Paraná anunciou nesta sexta-feira (15/07) o indiciamento do bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho, que assassinou o tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu Marcelo Arruda, na semana passada. No entanto, a delegada Camila Cecconello afirmou que a investigação policial concluiu que não houve motivação política. Guaranho vai responder por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e por causar perigo comum.
Arruda, que era guarda municipal, foi morto a tiros na própria festa de aniversário de 50 anos, que tinha como decoração símbolos do Partido dos Trabalhadores (PT) e imagens do ex-presidente Lula.
Embora Guaranho, um agente penitenciário federal, tenha ido até a festa para provocar Arruda, entoado gritos pró-Bolsonaro em frente ao local onde ocorria o evento, segundo a delegada, a morte não foi provocada por motivo político, porque os disparados foram feitos em um segundo momento, após uma escalada na discussão.
"É difícil nós falarmos que é um crime de ódio, que ele matou pelo fato de a vítima ser petista", afirmou.
Em uma coletiva de imprensa nesta sexta, a delegada disse que Guaranho atirou em Arruda por se sentir humilhado e que o crime não foi premeditado. Após provocação política na porta da festa, Arruda atirou terra e uma pedra contra o carro do bolsonarista, que ficou irritado e voltou mais tarde ao local com uma arma.
"Segundo os depoimentos, que é o que temos nos autos, ele voltou porque se sentiu ofendido com essa escalada da discussão, com esse acirramento da discussão entre os dois", disse a delegada.
Segundo ela, para o crime ser enquadrado como político, precisa cumprir alguns requisitos.
"É complicado a gente dizer que esse homicídio ocorreu porque o autor queria impedir os direitos políticos da vítima. Parece mais uma coisa que se tornou pessoal", afirmou Cecconello.
Embora a delegada do caso tenha chegado a essa conclusão, a decisão final de descartar motivação política será do Ministério Público, a quem cabe apresentar a denúncia contra Guaranho.
A Polícia Civil do Paraná também abriu um inquérito para apurar agressões sofridas por Guaranho após ele atirar em Arruda. Três pessoas são investigadas.
"Ele gritava que ia matar todos os petistas, gritava palavras de ordem e 'aqui é Bolsonaro'", relatou ao jornal O Globo o filho mais velho de Arruda, Leonardo. "Pelo ódio dele, parecia que ia matar todo mundo. Mas meu pai conseguiu evitar o pior, antes de morrer", acrescentou, referindo-se ao fato de Arruda ter disparado em Guaranho em legítima defesa.
Família acredita em motivação política
Ao blog da jornalista Andréia Sadi, da GloboNews, o advogado da família de Arruda, Ian Vargas, disse que a defesa não concorda com a conclusão da investigação e que "entende que houve motivação política, crime de ódio". Vargas também afirmou que vai investigar quem foi a pessoa que informou a Guaranhos sobre a festa temática do PT.
Além disso, ao blog, a defesa afirmou que acredita que a apuração de informações sobre o crime "foi feita em tempo insuficiente para determinar a natureza do crime".
"Tivemos a informação de que a perícia do celular do Jorge foi encaminhada ontem [quinta-feira], e agora já apresentam relatório?", questionou Vargas em entrevista ao blog.
Para ele seria necessário coletar mais informações e fazer mais diligências. Segundo o advogado, a defesa não teve acesso a depoimentos e outros materiais obtidos durante a investigação.
O Crime
Segundo informações do boletim de ocorrência, o crime ocorreu quando Arruda e convidados celebravam o aniversário do guarda municipal, que ocorria com cerca de 40 pessoas na sede da Associação Recreativa Esportiva Segurança Física de Itaipu (Aresfi).
Imagens da festa mostram retratos de Lula nas paredes e símbolos do PT no bolo. Por volta de 23h, a festa foi interrompida temporariamente quando Guaranho passou em frente ao local de carro e gritou "aqui é Bolsonaro".
Guaranho estava com uma mulher que tinha uma criança de colo. Ele não era conhecido pelos presentes na festa e não havia sido convidado, de acordo com testemunhas. Após Guaranho gritar por vários segundos, Arruda saiu da festa e atirou uma pedra no carro do agente. Nas imagens de uma câmera de segurança é possível ver uma mulher do lado de fora do veículo tentando acalmar a situação. Guaranho inicialmente deixou o local, mas gritou que voltaria, segundo testemunhas.
Ele retornou vinte minutos depois e desta vez abriu fogo. Antes de disparar, ele foi abordado pela esposa de Arruda, uma policial civil, que se identificou como tal. Ainda assim, Guaranho disparou quatro tiros, dos quais dois atingiram Arruda.
No intervalo da saída de Guaranho e seu retorno, Arruda havia buscado sua arma no carro como precaução. Quando Guaranho voltou e disparou, Arruda, ferido, revidou e atirou, acertando quatro tiros em Guaranho, que depois foi levado a um hospital.
"A vítima pega a sua arma de fogo como proteção de um eventual retorno do autor. E a vítima aponta a arma de fogo quando vê a volta do autor, porque já sabia que o autor estava armado. Então, é uma atitude natural da vítima querer se defender", disse a delegada na coletiva desta sexta.
Arruda deixa quatro filhos, entre eles uma menina de apenas dois meses.
Perfil político
O perfil de Guaranho no Facebook mostra várias publicações em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e a favor de armas. Antes de 2018, seus perfis na internet praticamente não abordavam política, mas no ano da última eleição presidencial começaram a exibir sinais de radicalização.
Suas contas no Twitter e Facebook exibiam regularmente publicações da cartilha bolsonarista: apoio a Donald Trump, oposição ao aborto, ataques à imprensa, denúncias mentirosas de fraude nas eleições americanas, conspiracionismo sobre a pandemia e críticas ao Supremo Tribunal Federal, além de ataques a jornalistas e antigos aliados de Bolsonaro.
Em seu perfil no Twitter, ele se apresentava como "cristão" e "conservador". Em uma publicação de junho de 2021, Guaranho aparece ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente.
Violência política
Nas últimas semanas, a pré-campanha eleitoral já acumulava episódios de tensão e violência política. Recentemente, uma bomba caseirafoi detonada num comício de Lula no centro do Rio de Janeiro, sem deixar feridos. O autor foi preso. Em junho, um drone já havia lançado um líquido descrito como "água de esgoto" sobre apoiadores de Lula num evento em Minas Gerais. O autor, um fazendeiro, também foi preso. Antes disso, militantes bolsonaristas já haviam cercado um veículo que transportava Lula na cidade paulista de Campinas.
Após o assassinato de Arruda, políticos de oposição acusaram o presidente Jair Bolsonaro de instigar esse tipo de violência.
O presidente de extrema direita tem, de fato, um histórico de defesa de agressões contra adversários políticos. No final dos anos 1990, quando era deputado, ele defendeu que o então presidente Fernando Henrique Cardoso fosse "fuzilado" e que o ex-presidente do Banco Central Chico Lopes sofresse "tortura", além de afirmar que o Brasil só mudaria "matando 30 mil" pessoas.
Ainda na campanha de 2018, durante um evento no norte do país, o então candidato atacou o PT e afirmou para apoiadores "Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein?". Durante a pandemia, Bolsonaro também falou várias vezes em armar a população para que ela reagisse com força contra governadores e prefeitos que haviam ordenado a paralisação de atividades sociais e econômicas para frear a disseminação do vírus.
Em maio de 2022, Bolsonaro também disse, ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes: "Agora tá todo mundo reunido ao lado do ‘nine' [alusão pejorativa a Lula] para organizar a campanha dos caras. A vantagem que a gente tá vendo nisso tudo, é que tudo que não presta tá se juntando. Igual em 2018, quando juntou aquele montão de candidatos, e eu falei: ‘É bom que um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo.' (…)".
le (ots)