Populistas de direita "sequestram" festival democrático?
6 de maio de 2018Pela primeira vez bandeiras alemãs agitavam-se nos ares, em negro-rubro-ouro. Jornalistas e escritores faziam discursos inflamados. Suas reivindicações, apresentadas diante de 20 mil participantes (hoje se diria "manifestantes"): uma Europa de povos livres, da liberdade de opinião e de imprensa, a amizade entre as nações europeias.
Esse festival democrático se realizou de 27 de maio a 1º de junho de 1832, portanto 186 anos atrás. O local foi o Castelo de Hambach, na época uma ruína cerca de 80 quilômetros ao sul de Frankfurt, no atual estado da Renânia-Palatinado.
O evento histórico é considerado, até hoje, uma das expressões mais fortes do levante dos europeus de tendência liberal contra o domínio dos príncipes. Entre os presentes estavam poloneses, belgas, franceses, alemães de todas as partes do país.
Contudo, numa época de restauração, os protestos não surtiram efeito. No Congresso de Viena, em 1814-15, os príncipes haviam dividido a Europa entre si, de acordo com suas conveniências. Somente duas terríveis guerras mundiais e mais de cem anos depois, a Europa Central conseguiria formar algo como uma liga internacional de democracias: a União Europeia.
"Novo Festival de Hambach"
O professor de economia Max Otte é filiado à conservadora União Democrata Cristã (CDU), da chefe de governo Angela Merkel, mas na última eleição votou na populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Assim como os manifestantes burgueses do século 19, ele vê a Europa ameaçada pela censura à imprensa e regimes arbitrários. Por isso, pretende dar continuidade à tradição quase bicentenária e convidou neste sábado (05/05) para um "Novo Festival de Hambach".
Entre seus convidados está o presidente da AfD, Jörg Meuthen. E Thilo Sarrazin, ex-senador de Berlim pelo Partido Social-Democrata (SPD), que em 2010 fez manchetes com seu livro Deutschland schafft sich ab: Wie wir unser Land aufs Spiel setzen (A Alemanha extingue a si mesma: como estamos colocando em risco o nosso país), no qual tratava de forma extremamente crítica o afluxo de migrantes ao país.
Como declarou numa entrevista, Otte vê paralelos entre a situação em 1832 e a atual. "Temos um sistema político em que funcionários pagos com os nossos impostos muitas vezes arranjam as coisas entre si, esquecendo-se de nós, cidadãos, como antigamente no bloco soviético. Bancos, conglomerados, lobbies e a UE têm poder demais."
Reescrevendo a história
A comparação é forçada: na Europa de 1832 imperava um espírito de restauração. A Revolução Francesa de 1789 – enquanto grande levante da burguesia contra o status quo, contra o domínio irrestrito dos príncipes e reis – era história. Napoleão fora derrotado; desde o Congresso de Viena, a Europa estava reorganizada segundo a vontade das casas nobres dominantes.
Ainda assim, os burgueses haviam acordado, dispunham de novas perspectivas, como a educação universitária também para as classes mais pobres. Eles não queriam mais aceitar as circunstâncias vigentes. O secretário da Cultura da Renânia-Palatinado, o social-democrata Konrad Wolf, acredita ser esse o motivo por que os organizadores do atual evento tentam se apoderar do Festival de Hambach e reescrever a história.
Em tom quase de desculpa, a diretora do castelo, Ulrike Dittrich, esclarece sobre a situação legal: "Na condição de fundação pública, somos obrigados a tratar todos da mesma forma – cumprimos essa obrigação." Justamente: uma questão de democracia.
No entanto, Dittrich não deixa de relembrar o que o Festival de Hambach histórico de fato representou: ele foi um pioneiro para as diversas iniciativas democráticas das décadas seguintes na Alemanha, as quais, após muitas derrotas, acabariam levando à democracia: "A linha de continuidade até a Assembleia Nacional de Frankfurt, a República de Weimar e a fundação da República Federal da Alemanha é forte."
Manifestantes contrários anunciaram que, na véspera do evento, mostrariam o que, em sua opinião, representam a AfD e seus simpatizantes: uma Europa de novas fronteiras e de nacionalismo, assim como o rechaço do afluxo de refugiados ao continente. Tais reivindicações pouco têm a ver com o espírito do Festival de Hambach.
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