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Por que evangélicos americanos resistem à vacina da covid-19

David Sloan
17 de dezembro de 2020

Líderes evangélicos nos Estados Unidos têm ajudado a semear a desconfiança na ciência, nos profissionais de saúde pública e nas vacinas contra o coronavírus. Para especialista, Trump também teve seu papel nisso.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (à direita), em conferência da coalizão Evangélicos por Trump na igreja do Ministério Internacional King Jesus em Miami, Flórida, em 3 de janeiro de 2020
O presidente americano em conferência da coalizão Evangélicos por TrumpFoto: Gary Rothstein/UPI Photo/newscom/picture alliance

Durante o verão no hemisfério norte, quando o coronavírus se alastrou pelos Estados Unidos, campanhas de desinformação promoveram teorias da conspiração com o potencial de colocar em risco a saúde de centenas de milhares de americanos. Muitos cristãos evangélicos – um grupo de protestantes em sua maioria doutrinariamente conservadores – foram bombardeados de mitos sobre a vacina e a pandemia de covid-19.

Críticos acusaram pastores fundamentalistas de direita de perpetuar teorias infundadas que encorajavam seus seguidores a ignorar dados de saúde pública e especialistas em combate ao coronavírus. Algumas dessas teorias incluem a afirmação de que a vacina é a marca da besta ou que ela irá provocar esterilização em mulheres.

"Existe uma suspeita de que [o coronavírus] não seja real. Eles estão se afastando cada vez mais da realidade", disse Mark Labberton, presidente do Fuller Seminary, um seminário cristão evangélico da Califórnia.

Com o início da aprovação e distribuição de vacinas pelo mundo todo, tal desinformação pode representar um obstáculo para os profissionais de saúde pública na atual campanha de vacinação.

A enfermeira Lillian Wirpsza administra uma vacina de covid-19 na enfermeira Barbara Neiswander, do departamento de emergência, no Hospital Universitário George Washington, em 14 de dezembro de 2020, em Washington
Os EUA já começaram a distribuição de vacinas contra covid-19 para ajudar a conter a pandemiaFoto: Jacquelyn Martin/AP Photo/picture alliance

Mitos entre evangélicos

A vacina tem polarizado a comunidade evangélica de direita. Rumores sobre o uso mal-intencionado do imunizante e conspirações em massa têm sido cultivados nas redes sociais – e continuam a ser promovidos por alguns líderes religiosos.

Um dos mitos que se espalharam pela internet, por exemplo, é o de que o vírus é uma tática de encobrimento para o bilionário Bill Gates implantar microchips rastreáveis nas pessoas.

Já outras teorias infundadas afirmam que Anthony Fauci, chefe do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, ajudou a planejar a pandemia de coronavírus em benefício próprio. A desinformação foi propagada por um vídeo promovendo a chamada "Plandemic" (um jogo com as palavras "plano" e "pandemia" em inglês), teoria da conspiração que rapidamente se espalhou pelas alas conservadoras da web. Para contê-la, as empresas de mídias sociais tiveram que batalhar. 

O pastor Tony Spell, da Igreja Tabernáculo da Vida (Life Tabernacle Church), em Baton Rouge, Louisiana, é conhecido por violar as medidas restritivas desde que o coronavírus aterrissou em solo americano. Ele realizou reuniões lotadas em sua igreja quando as regulamentações estaduais as tornaram ilegais, além de rechaçar os avisos de que a pandemia é perigosa.

"Somos antimáscara, antidistanciamento social e antivacina", disse Spell à DW. Para ele, a vacinação tem motivação política e acabará deixando as pessoas doentes, embora as evidências disponíveis apontem o contrário. O pastor afirma que, com o início da distribuição das vacinas, vai continuar desencorajando seus seguidores a tomá-la.

Uma pesquisa realizada em julho pelo instituto americano Pew Research Center constatou que cerca de 70% dos entrevistados já tinham ao menos ouvido falar que a pandemia foi planejada pelas chamadas elites, enquanto 36% acreditavam que isso era verdade.

Anthony Fauci (à direita) e o presidente Donald Trump (de costas)
Anthony Fauci (à direita) e o presidente Donald Trump entraram em conflito sobre a política de covid-19Foto: Jonathan Ernst/REUTERS

O ceticismo em torno da vacina contra a covid-19 entre os conservadores cristãos é produto de décadas de uma desconfiança crescente na ciência, na medicina moderna e no que é descrito como a elite global. É também a raiz de uma rejeição maior a vacinas que, por décadas, ajudaram a quase erradicar várias doenças graves, incluindo sarampo e poliomielite.

"O raciocínio principal é uma profunda desconfiança no governo", diz Sam Perry, especialista em teorias da conspiração de direita e professor do núcleo interdisciplinar da Universidade Baylor, no Texas. "Existem certas alas da direita cristã que acreditam fazer parte da luta do bem contra o mal."

O receio entre muitos evangélicos de direita é que os líderes globais estejam tomando decisões sem embasamento bíblico e contra a vontade do Deus cristão.

O presidente Donald Trump deixa o palco depois de falar durante a "Cúpula de Vacinas da Operação Warp Speed" no complexo da Casa Branca, em 8 de dezembro de 2020, em Washington
Trump tem usado sua posição para ajudar a perpetuar notícias falsas sobre o coronavírusFoto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance

Influência de Trump

Uma exceção dentro do governo é o presidente Donald Trump, que mantém forte apoio entre os evangélicos. Ao longo de seus quatro anos no cargo, ele obteve um índice de aprovação de até 78% entre os evangélicos brancos, com 54% de todos os protestantes apoiando o líder americano.

Trump – cujos partidários o veem em grande parte como um outsider de Washington – usou sua posição para ajudar a perpetuar notícias falsas sobre o coronavírus. Após ter inicialmente dito que o vírus era uma farsa, ele tem transmitido mensagens contraditórias sobre o uso de máscaras – tanto em palavras quanto em ações, aparecendo repetidamente em grandes reuniões públicas sem a proteção facial.

Ele chegou inclusive a refutar a letalidade do vírus, dizendo que em breve ele irá desaparecer.

Trump desconfia de vacinações há tempos, mas tem tentado mudar de tom assim que os EUA começaram a aprovar a vacina contra a covid-19. Por meio do Twitter, ele também alegou falsamente que a vacinação pode causar autismo em crianças. São atitudes como esta que têm dado impulso às conspirações sobre a vacina.

"Donald Trump não inventou isso, mas acelerou drasticamente a desinformação, e algumas pessoas tendem a acreditar", disse Peter Wehner, vice-presidente e pesquisador sênior do Centro de Ética e Políticas Públicas e ex-redator de discursos do presidente George W. Bush.

Negacionistas do coronavírus e pessoas contrárias à vacina protestam nos EUA em 29 de novembro de 2020
EUA têm sido palco de protestos de negacionistas do coronavírus e de pessoas contrárias à vacina Foto: G. Ronald Lopez/ZUMAPRESS/picture alliance

Convencendo céticos

Alguns líderes evangélicos têm buscado soluções para combater as falsas informações sobre as diretrizes em torno da pandemia e da vacina.

Representantes do governo – como Francis Collins, diretor de longa data do Instituto Nacional de Saúde e cristão assumido – conversaram diretamente com líderes religiosos para conter os receios da população perante a vacinação.

No final de agosto, um grupo de mais de 2.700 líderes cristãos assinou uma carta escrita pela Fundação BioLogos, grupo de interesse de Collins, apoiando a "ciência em tempos de pandemia". O texto clamava aos cristãos para que "usassem máscaras, fossem vacinados e corrigissem a desinformação".

Equipe de profissionais de saúde cerca um paciente que morreu dentro de uma unidade hospitalar para pacientes de coronavírus no Centro Médico United Memorial, em Houston, Texas, em 12 de dezembro de 2020
Mais de 300 mil americanos já morreram devido à covid-19Foto: Callaghan O'Hare/REUTERS

"Durante o verão, vimos circular uma quantidade crescente de teorias da conspiração e queríamos mostrar que há membros da comunidade cristã e muitos outros que apoiam as medidas de saúde pública", disse Deborah Haarsma, presidente da BioLogos, à DW.

Os EUA, que recentemente iniciaram a maior campanha de vacinação de sua história, em breve farão a transição da presidência de Trump para a do recém-eleito Joe Biden. Recairá então sobre a equipe do democrata a difícil tarefa de ajudar a dissipar a desinformação que o governo anterior ajudou a espalhar – ou que pelo menos não conseguiu deter.

"Há pastores e igrejas proeminentes que basicamente rejeitaram a ciência. Isso nunca é uma boa ideia no meio de uma pandemia", diz Peter Wehner.