Por que servidores antidesmatamento do Brasil ameaçam greve
5 de janeiro de 2024As operações de combate em campo a crimes ambientais em todo o Brasil podem ser interrompidas indefinidamente nos próximos dias. Em protesto sobre as condições de trabalho, servidores federais que atuam na função já estão em paralisação de alerta desde o início do ano, e discutem entrar em greve.
Segundo a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), além da fiscalização contra o desmatamento na Amazônia, atividades como contrabando de madeira, vistorias de licenciamento ambiental, prevenção e combate a incêndios florestais e liberação de exportações e importações serão afetadas.
"Passamos por um período muito grave nos últimos anos com o governo de Jair Bolsonaro, todos sabem e reconhecem. Foi um período marcado por uma série de casos de assédio e perseguição. Mas esses servidores continuam enfrentando dificuldades antigas, relacionadas às condições de trabalho", afirma à DW Cleberson Zavaski, presidente da associação nacional.
Para agentes ambientais ouvidos pela DW, a queda no desmatamento na Amazônia registrada no primeiro ano do atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva deve-se em grande parte ao esforço em campo dos servidores. De janeiro a novembro de 2023, a redução foi de 62% em relação ao mesmo período de 2022, último ano da administração Jair Bolsonaro.
"Muitas vezes, encaramos uma jornada de trabalho muito extensa, condições precárias e de muito perigo no campo. Isso não é condizente com as metas ambientais que o governo quer cumprir e que fica dizendo lá fora [do país], como zerar o desmatamento. Esse trabalho depende muito de nós", diz um dos servidores à DW, na condição de anonimato.
Déficit de agentes
A Ascema representa funcionários federais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio), Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Serviço Florestal Brasileiro (SFB).
Em vez de irem a campo, os agentes dizem que irão se concentrar nas atividades burocráticas em suas respectivas bases.
Dos 2.839 servidores do Ibama na ativa, cerca de 70% aderiram à paralisação, diz o porta-voz. Funcionários do Icmbio iniciaram uma mobilização com um abaixo-assinado e assembleias serão realizadas nos estados a partir desta sexta-feira (05/01) para discutir uma eventual greve geral.
"Demos respostas efetivas em 2023, mas sempre com os mesmos servidores. O déficit é muito grande. Hoje o Ibama opera só com a metade do seu efetivo legalmente previsto", diz Zavaski.
O que pedem os servidores
Além da abertura de concurso em diversas áreas para contratação imediata, a lista de demandas da Ascema inclui reestruturação de carreira, gratificação por atividade de risco para os que estão em exercício no campo e indenização por fronteira, dada para aqueles que atuam em regiões remotas, entre outros.
"Temos um cálculo estimado de que teremos entre 2024 e 2025 cerca de mil aposentadorias só no Ibama. Isso demonstra a gravidade da situação", diz Zavaski.
As propostas de reestruturação foram apresentadas ao governo federal em 2017. Em agosto de 2023, sob Lula, as demandas foram atualizadas e uma reunião com representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) ocorreu no mesmo mês. Desde então, as negociações esfriaram.
Questionado pela DW, o MMA respondeu que está em diálogo com o MGI para que seja apresentado um cronograma das próximas etapas de negociação. "A reestruturação das carreiras ambientais é uma prioridade para o MMA", diz a nota enviada pelo ministério.
Em outubro passado, a pasta publicou um edital de concurso público com 98 vagas previstas e provas marcadas para o final de janeiro deste ano. O último concurso havia sido autorizado em 2010.
Meio ambiente nos holofotes
Ainda durante a campanha presidencial, em 2022, Lula fez promessas importantes na área ambiental. O petista assumiu o posto depois de uma alta recorde de quase 60% da taxa de desmatamento na Amazônia registrada nos quatro anos de Bolsonaro, em relação ao período anterior. Foi a maior alta percentual num mandato presidencial desde o início das medições por satélite, em 1988.
Com a volta ostensiva da fiscalização em campo, de janeiro a novembro de 2023 os autos de infração aplicados pelo Ibama só na Amazônia aumentaram 114% na comparação com a média para o mesmo período de 2019 a 2022.
Ao longo de 2023, mais de 600 operações de combate ao crime, em especial ao garimpo ilegal, ocorreram em Terras Indígenas (TIs), segundo informações do MMA. Na TI Yanomami, abalada por uma severa crise humanitária, aproximadamente 40 aeronaves e 400 acampamentos de garimpeiros foram destruídos por agentes da fiscalização. Outros equipamentos, como motores, balsas e barcos, também foram eliminados.
Na região, diversos ataques a agentes foram registrados, além de ataques a bases instaladas pelo Ibama para impedir a entrada de garimpeiros.
As operações em campo que já estavam em andamento no fim de 2023 devem seguir por mais um período, prevê Zavaski, porta-voz dos servidores federais. Novas ações planejadas pelo governo e que aguardam a adesão de servidores às chamadas internas devem ficar paralisadas.
"Isso inclui a nova investida da fiscalização na Terra Indígena Yanomami para combater o retorno do garimpo. Além de operações de desintrusão no território Apyterewa, no Pará", detalha Zavaski.