Patrimônio histórico
31 de janeiro de 2010Desde 2002, o Instituto Arqueológico Alemão atua no Afeganistão com projetos de preservação de monumentos culturais. A serviço da entidade, a arqueóloga Ute Franke coordena trabalhos como a pesquisa histórica sobre a cidade de Herat e a escavação dos jardins de Bagh-e Babur, que agora é um paraíso verde em Cabul. Franke falou à Deutsche Welle sobre seu trabalho no Afeganistão.
Deutsche Welle: Não é mais importante para os afegãos em Herat ter água potável e um emprego do que saber como era a cidade antigamente?
Ute Franke: Uma coisa não tem que excluir a outra. Além disso, este projeto teve muitos efeitos práticos concretos, que influenciam o cotidiano. No âmbito da reconstrução da zona antiga da cidade, através do Fundo Aga Khan para Cultura, financiado pelo ministério alemão do Exterior, por exemplo, foram asfaltadas todas as calçadas em áreas selecionadas. A canalização foi refeita, as fossas em céu aberto desapareceram, foram escavados novos reservatórios de água. Isso fez melhorar a qualidade de vida dos moradores desses bairros.
Mas a preservação do patrimônio cultural não é uma questão supérflua diante dos problemas que muitos afegãos têm até hoje devido à guerra e à guerra civil?
Se eu tivesse de decidir se devemos agora melhorar o abastecimento de água ou fazer uma escavação, seria muito difícil para mim optar pela escavação. Deve-se considerar o que deve ser financiado primeiro, mas não devemos deixar a preservação dos bens culturais completamente de lado. Na convenção da ONU sobre a proteção dos bens culturais está escrito que esta é uma parte da ajuda humanitária. Isto pode ser questionado, mas penso que é algo justificável.
Mas por que os projetos de preservação cultural são importantes?
São importantes para os estados e regiões, entre outras coisas, porque eles dão trabalho e renda para muitas pessoas. Também oferecemos oportunidades de formação profissional, entre outros para os trabalhadores de escavação, restauradores, pedreiros, carpinteiros. Incentivamos técnicas artesanais antigas, que foram quase perdidas, mas são úteis para a população.
Em Herat, por exemplo, há muitas construções em andamento. As pessoas que recebem treinamento e trabalham no âmbito do projeto conseguem um trabalho mais facilmente, porque eles podem dizer "eu aprendi, eu tenho experiência de trabalho". Eles ganham, assim, maiores oportunidades de emprego.
Mas por que é importante, a partir do seu ponto de vista, a preservação do patrimônio cultural de um país politicamente instável?
O Afeganistão, por exemplo, é um país que tem uma longa história de investigação científica em arqueologia e história. Esta pesquisa ainda é fortemente apoiada pelo Ministério da Cultura afegão. Isso está ligado, certamente, ao fato de que a herança cultural também tem algo a ver com o orgulho nacional, com a sua própria identidade.
O investimento na preservação cultural também é uma contribuição para a construção da sociedade civil, que é a base de um Estado moderno. Eu própria vivencie isso. Por exemplo, eu participei desde o início da restauração dos jardins de Bagh-e Babur, em Cabul. Eram ruínas que agora deram lugar a uma paisagem florida que é vista como um sinal positivo pelas pessoas em Cabul. O parque fica cheio nos finais de semana. Nas sextas-feiras, o parque é visitado por até 10 mil pessoas, porque é um belo lugar, onde se pode relaxar e esquecer o estresse da vida cotidiana.
O Ministério alemão do Exterior afirma que a promoção da preservação de monumentos culturais tem como efeito secundário o fato de a comunidade passar a ter um vínculo positivo com o país que financiou os projetos. Será que isso funciona realmente assim tão fácil?
Claro. Desde 2002, construímos fortes relações pessoais e profissionais no Afeganistão. Somos vistos como um fator muito positivo, como um parceiro confiável. A visão das tropas da Isaf [Força Internacional de Assistência à Segurança], em Herat, me traz uma série de sentimentos confusos. Eles andam todos fortemente armados, com veículos blindados e coletes à prova de balas, não transmitem uma impressão positiva. Mas não podemos evitá-los.
No entanto, quando não se investe mais em projetos de preservação cultural, perde-se uma oportunidade. Claro que isso custa dinheiro, mas eu acho que em Herat, devido aos diversos projetos, existe uma imagem muito boa dos alemães. Ao mesmo tempo, podemos perceber que a imagem da nação que está atuando militarmente na área tende a ser negativa.
Autora: Marlis Schaum (md)
Revisão: Carlos Albuquerque