Enchentes no RJ
7 de abril de 2010As chuvas mais fortes das últimas quatro décadas trouxeram o caos ao Rio de Janeiro e provocaram a morte de mais de cem pessoas nesta terça e quarta-feira (07/04). A maioria das vítimas morreu durante o deslizamento de encostas ocupadas por habitantes de bairros menos favorecidos do município do Rio de Janeiro.
Em entrevista à Deutsche Welle, o arquiteto Jorge Mario Jáuregui, arquiteto carioca responsável por vários projetos de reurbanização em favelas do Rio de Janeiro, apontou cinco pontos básicos para evitar catástrofes como a que aconteceu na cidade. Ele explicou também que a culpa não é somente das autoridades.
Deutsche Welle: O que levou a essa catástrofe no Rio de Janeiro?
Jorge Mario Jáuregui: Vamos começar por aquilo que dizem os meios de comunicação aqui no Rio. A capa do jornal O Globo de hoje disse: "Cadê o plano de emergência?" e "O que não funcionou na cidade: o sistema de drenagem, a contenção de encostas, a atuação dos guardas de trânsito e o policiamento". "E o que funcionou: a atuação da companhia de trânsito de manhã, a decretação do feriado informal e a troca de informações através do Twitter".
Essa é uma primeira visão, mas é uma visão superficial ou evidente, diria eu. Como sabemos, a realidade tem sempre dois aspectos. Um manifesto, que qualquer cidadão percebe. E outro que não se vê, que é o que deveria ser feito e que não se faz. Nesse plano mais profundo, eu diria que há cinco medidas fundamentais para o Rio.
Quais são tais medidas?
Para tratar esse tipo de fenômenos naturais que deixa a cidade realmente em caos, essas medidas básicas incluiriam o planejamento urbano de verdade, não setorial, mas geral. Pensar a cidade como um sistema e tomar as medidas em função desse conceito de sistema. Tomar medidas parciais, mas com uma visão geral. Porque, pela urgência do político, as medidas que se tomam normalmente são sempre parciais e não há o plano geral, o planejamento urbano estratégico.
O segundo ponto fundamental é realmente o mapeamento das áreas de risco. Eu, que trabalho com favelas, não tenho o mapeamento das áreas de risco. Isso é feito pelo poder público toda que vez que se vai intervir em um determinado lugar – pode ser o Complexo do Alemão, o Complexo de Manguinhos e todas essas favelas que fiz no programa Favela Bairro.
Como aqui ainda trabalhamos com mapeamento localizado, não existe o mapeamento disponibilizado das áreas de risco do município, que é um serviço público que tem que ser implementado com urgência.
O terceiro ponto é a questão da drenagem urbana, ou seja, na cidade há pontos muito claros de estrangulamento e de problemas com qualquer chuva, e particularmente com a chuva excepcional que tivemos. Esse plano de macrodrenagem e microdrenagem urbana tem que ser feito com seriedade. Além disso, é preciso disponibilizar recursos, pois não adianta ter o plano sem recursos para implementá-lo.
O quarto ponto seria a gestão da crise, ou seja, o gerenciamento de risco, o famoso plano de contingência. E o quinto ponto é a questão da comunicação, na qual a mídia desempenha um enorme papel. Porque a sensação que se passa ao se comunicarem tais coisas é a urgência de vender notícias, a urgência de vender informação. E não o serviço que a mídia tem obrigação de prestar, ou seja, informar e orientar.
Como a mídia deveria atuar em tais situações?
Não somente transmitir uma ideia emotiva das notícias, que inclusive contribui para aumentar a sensação de caos, mas informar de forma preventiva, levantando paulatinamente pontos críticos, disponibilizando equipes que investiguem antes e não após a catástrofe. Ou seja, contribuir para essa tarefa preventiva, que é do poder público, dos meios de comunicação, como também do comportamento do cidadão.
Afinal, há uma cultura da transgressão, do informal, não somente na favela. Há uma cultura geral relativa à informalidade embutida no comportamento do cidadão carioca. Isso implica não respeitar lugares de estacionamento, não respeitar faixas de circulação, tentar dar um jeitinho para fugir das normas de trânsito geral, etc.
Fala-se de uma falta de controle de construções em áreas de risco por parte do poder público no Rio de Janeiro. Há um reducionismo nessa afirmação?
Creio que sim. Essa é uma atitude defensiva de alguém que diz que não tem nada a ver com isso. Quem está dizendo isso são pessoas que estão fora da estrutura de poder, ex-autoridades, candidatos que usam de forma oportunista os meios de comunicação para emitir opiniões que nem eles vão cumprir ao chegarem ao poder. Tais opiniões não merecem o menor respeito.
Existe uma política pública, posta em prática agora, de urbanizar áreas carentes. Há muita política pública bem concebida e sendo executada e que, evidentemente, precisa ser intensificada.
Então qual é a origem do problema?
Os problemas de hoje são problemas acumulados ao longo de décadas de descaso com a má ocupação desse território complexo, espremido entre a montanha, a lagoa, e o mar. Trata-se de uma topografia difícil para construir uma cidade. Mas temos que conviver com isso, como se convive com áreas de terremoto, por exemplo, no Chile, no México, nas Filipinas ou no Japão.
A ocupação inadequada das ladeiras dos morros no Rio de Janeiro sempre foi e continuará sendo um problema. Catástrofes tornam o cidadão – geralmente indiferente – mais sensível a tais problemas. A culpa não é então só das autoridades, mas também de todos os cidadãos que vivem nessa cidade. Isso implica uma reorientação de hábitos pouco prazerosa, mas necessária.
Em particular com as favelas. Temos cerca de 1,1 a 1,2 milhão de pessoas vivendo em favelas no Rio de Janeiro, nas quais as áreas de risco são relativamente pequenas. Calcula-se que haja de 10 mil a 20 mil habitações em áreas de risco. Isso é perfeitamente solucionável. É evidente que essas construções devem ser retiradas a partir de um mapeamento bem feito dessas áreas de risco.
Há o perigo de essa população ser retirada em prol da especulação imobiliária?
Sem dúvida essa é uma das forças que atuam nesses casos. Mas considero que não seja isso o fundamental. Hoje existe um cuidado por parte das autoridades e do cidadão para evitar o que aconteceu, por exemplo, na Favela da Catacumba. Os militares retiraram a população dessa favela e a levaram para longe, criando a Cidade de Deus, que refavelizou essa população.
O lugar de onde foi retirada essa população na Lagoa Rodrigo de Freitas virou campo claro da especulação imobiliária. Mas não acredito que, nesse momento, isso volte a acontecer, porque a população está mais alerta hoje.
Entrevista: Carlos Albuquerque
Revisão: Simone Lopes