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Professores alemães que denunciaram extremismo são premiados

Ben Cavaleiro
23 de novembro de 2023

Dois professores que se viram forçados a abandonar suas escolas após escreverem uma carta aberta expondo incidentes de extrema-direita entre estudantes são condecorados em Berlim.

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Retrato ds professores Max Teske e​​​​​​​ Laura Níquel
Max Teske e​​​​​​​ Laura NíquelFoto: Markus Schreiber/AP/picture alliance

Max Teske prefere não dizer onde trabalha atualmente, o que é compreensível. Em julho deste ano, o professor e a sua colega Laura Nickel foram praticamente expulsos da escola onde lecionavam por extremistas de direita na cidade de Burg, no estado de Brandemburgo (leste da Alemanha). O motivo? Eles haviam escrito uma carta aberta justamente denunciando incidentes de extrema-direita que pareciam ganhar cada vez mais força na instituição.

Na carta, que causou comoção nacional, eles diziam ser diariamente confrontados com "extremismo de direita, sexismo e homofobia".

"O mobiliário escolar está riscado com suásticas, ouve-se música extremista de direita nas aulas e gritos com frases de efeito antidemocráticas ecoam pelos corredores da escola", escreveram Teske e Nickel.

"Professores e alunos que se opõem abertamente a grupos direitistas de estudantes e de pais de alunos temem pela sua segurança", escreveram na ocasião. Eles também criticaram a "barreira de silêncio e a falta de apoio dos diretores das escolas, das autoridades escolares e dos políticos".

Assim que a carta foi publicada, a vida de ambos se tornou basicamente insuportável: panfletos apareceram em postes de rua pela cidade sugerindo a eles que "fossem à m... de Berlim". 

Alunos em sala de aula atacam professora com bolinhas de papel.
Alemanha tem visto aumento de ataques a professoresFoto: Imago Images/imagebroker

Em defesa da igualdade de direitos

Hoje, quatro meses após o terrível episódio, os professores serão homenageados com um prêmio de coragem civil na capital alemã, apresentado conjuntamente pela organização Memorial do Holocausto e pela Comunidade Judaica de Berlim.

Nesta altura, Teske e Nickel já reconstruíram as suas vidas, não apenas com novos empregos em cidades cujo nome preferem não revelar, mas também como figuras públicas frequentemente procuradas para entrevistas e painéis de discussão.

"Muita coisa mudou", disse Teske à DW. "De um lado, sair de Cottbus, local onde vivi durante 31 anos, conhecer novos colegas e estudantes; do outro, claro, através da presença midiática que temos, tentar tornar públicas estas questões."

Eles também se viram com um novo trabalho como "embaixadores de valores" do German Dream. A missão consiste na realização de seminários em escolas onde discutem suas experiências e conversam com professores e alunos sobre como enfrentar o extremismo. "Isso se tornou muito importante para nós", disse Teske. "Percebemos que não estávamos sozinhos e que o que fizemos foi certo."

"Eu nos descreveria como porta-vozes, e esse é um papel que valorizo muito porque há muitas pessoas enroladas em situações ainda mais difíceis do que aquela em que estive", acrescentou.

Professores abandonados à própria sorte

Para a diretora do German Dream, Düzen Tekkal, é preciso se adaptar aos novos tempos. "Basicamente se trata do fato de estarmos abandonando os professores na luta contra o populismo de extrema-direita, contra o antissemitismo", disse ela à DW. "O mundo mudou, mas os currículos continuam presos às décadas passadas." 

A ativista Düzen Tekkal, da iniciativa German Dream, fala durante uma palestra.
A ativista Düzen Tekkal lidera a iniciativa escolar German DreamFoto: Jens Kalaene/dpa/picture alliance

Criada em 2019, a iniciativa German Dream busca preencher essa lacuna. Seus seminários —conduzidos por pessoas de todas as esferas da vida — tentam atender a pedidos reais vindos dos próprios professores, seja para discutir questões como o Oriente Médio, a islamofobia ou a homossexualidade.

"Muitos professores escrevem para a gente", acrescentou Tekkal. "Eles estão perplexos com o que está acontecendo no mundo. As crianças chegam à escola com uma certa mentalidade que herdaram dos pais ou da internet, e os professores não conseguem lidar com isso tudo sozinhos, não importa o que aconteça, nem quão bem-intencionados eles sejam."

As estatísticas mostram que a experiência vivida por Teske e Nickel não são um caso isolado. Em outubro, dados divulgados pela polícia de Brandemburgo apontavam 159 casos dos chamados "crimes de propaganda" nas escolas em 2022 – a maioria relacionados com pixações de cunho nazista. O número supera os 136 relatados em 2018 (ano anterior à pandemia de covid-19, quando muitas escolas ficaram fechadas por longos períodos).

"Sabíamos antes mesmo de escrever a carta que isso não era apenas em nossa escola", disse Teske. "Eu mesmo vivi isso quando visitei uma escola em Spremberg, uma pequena cidade no sul de Brandemburgo, e fui ameaçado e atacado por estudantes de direita."

Quebrando o silêncio

A tempestade criada por Teske e Nickel provocou reações até no mundo político. O presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, disse estar "profundamente chocado " com a carta e com o fato de os professores terem se sentido compelidos a escrevê-la.

O governo de Brandemburgo prometeu investigar os incidentes relatados por Teske e Nickel, enquanto o ministro da Educação, Steffen Freiberg, negou as acusações dos professores de que não haviam recebido nenhuma forma de apoio. "Fizemos tudo o que está ao alcance do aparelho estatal e mais além para proteger estes dois colegas", disse ele em agosto ao jornal Tagesspiegel.

Freiberg, que é do Partido Social-Democrata (SPD), também prometeu que o governo iria melhorar os planos de ação para lidar com a violência nas escolas até ao início do próximo ano.

Ele admitiu, contudo, que o extremismo de extrema direita é um problema que afeta a sociedade como um todo. "Isso é sentido quando agora, em certas famílias, há uma segunda geração com atitudes extremistas de direita", disse Freiberg ao diário. "E o fato de existirem algumas estruturas nazistas regionalmente enraizadas é um grande drama social que jamais subestimei." 

Os professores Max Teske (esq.) e Laura Nickel discursam em microfone durante um protesto realizado em maio de 2023 em Cottbus.
Teske (esq.) acredita que são necessárias mudanças estruturais nas escolasFoto: Patrick Pleul/dpa/picture alliance

Mudanças nas escolas

Mas Teske e Tekkal acham que são necessárias mudanças mais profundas nas escolas. "Acho que disciplinas como educação política precisam de muito mais espaço nas aulas. Tem que ser mais de uma vez por semana", defende Teske. "Também penso que é necessário haver cursos obrigatórios para professores sobre educação para a democracia."

Na Alemanha, a política educacional não é administrada pelo governo federal, mas sim pelos estados, com cada um determinando seu próprio nível de "educação política", que determina quando e como ensinar os princípios de uma constituição democrática.

As preocupações com os jovens não se limitam ao leste da Alemanha. O governo bávaro também teme o aumento de atitudes de extrema-direita no ambiente escolar: uma recente simulação de eleições entre menores de 18 anos no estado da Baviera colocou o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) em segundo lugar, com 14,9% dos votos – quase o mesmo que nas eleições estaduais de fato, onde a sigla obteve 14,7%. Em reação, o governador da Baviera, Markus Söder, apresentou a ideia de introduzir "os quinze minutos constitucionais" semanais, espaço das aulas reservado para a discussão de algum aspecto da constituição alemã.

Para Tekkal, ideias como essa podem ser um bom começo, mas poderiam ir mais longe. "Precisamos de novas disciplinas escolares, precisamos reconhecer que esta é uma sociedade de imigração. Temos problemas completamente novos, questões completamente novas e oportunidades completamente novas."

Por que é tão difícil acabar com o antissemitismo?