Programa de TV sobre terrorismo põe alemães diante de dilema
18 de outubro de 2016Um programa interativo de televisão desencadeou um intenso debate na Alemanha na noite de terça-feira (17/10), depois de uma esmagadora maioria dos telespectadores ter votado a favor da absolvição do piloto militar que, no filme, abate um avião de passageiros sequestrado por terroristas para salvar dezenas de milhares de pessoas inocentes.
O popular talk-show Hart aber fair (Rigoroso, mas justo, em tradução livre), que vai ao ar às segundas-feiras na emissora estatal alemã ARD, mostrou o filme chamado de "Terror – seu veredicto". Ele descreve o julgamento de Lars Koch, um piloto que desafia uma ordem superior e abate um avião com 164 passageiros sequestrados por terroristas que pretendiam lançá-lo contra um estádio de futebol com 70 mil espectadores.
Nos moldes do extinto programa brasileiro Você decide, os telespectadores alemães foram convidados a votar por telefone ou pela internet e decidir pela condenação ou absolvição do piloto. Enquanto isso, especialistas jurídicos e políticos debatiam os conceitos éticos e legais da escolha de sacrificar as vidas de alguns para salvar a vida de muitos.
O debate ocorre em meio à crescente preocupação da população com a segurança. Desde o início da crise migratória, houve quatro atentados em solo alemão (dois deles com conexões comprovadas com o "Estado Islâmico"), e esse temor foi, em parte, responsável por derrotas históricas do partido da chanceler federal Angela Merkel em eleições regionais.
Frenesi entre espectadores
O filme foi acompanhado por 6,88 milhões de telespectadores (quota de mercado: 20,2%). Cerca de 609 mil telespectadores participaram da votação, e 86,9% dos votantes absolveram o piloto de ter matado 164 passageiros.
A enquete, porém, esteve debilitada devido a problemas técnicos. Muitas pessoas reclamaram nas redes sociais que não puderam dar seu voto, pois a página da ARD travou com a grande quantidade de acessos – o mesmo ocorreu com as linhas telefônicas.
Um porta-voz da ARD salientou que, apesar dos problemas técnicos, a decisão da maioria da população alemã seguia inequívoca. A enquete, aliás, teve resultados semelhantes na Áustria (86,9%) e na Suíça (84%) pela absolvição.
"A noite de ontem foi um verdadeiro experimento com um resultado completamente incerto", avaliou o diretor de programação da ARD, Volker Herres. "O fato de os telespectadores terem participado com tamanha intensidade e em tão grande número na enquete e nas discussões mostra que foi um notável sucesso."
Questões legais e morais
No programa Hart aber fair, logo após a exibição de "Terror – seu veredicto", participaram de um debate acalorado o ex-ministro do Interior Gerhart Baum, do Partido Liberal Democrático (FDP), e o ex-ministro da Defesa Franz Josef Jung, da União Democrata Cristã (CDU).
Para Baum, o piloto seria juridicamente um assassino. O ex-ministro apontou para o princípio básico da Constituição alemã que diz que "a dignidade humana é inviolável". Ele argumentou que o desfecho do sequestro do avião ainda não estava sacramentado.
Além disso, ele mencionou um veredicto do Tribunal Constitucional Federal de 2006. Em 2005, quatro pilotos da Força Aérea da Alemanha e diversos advogados – entre eles o próprio Baum – entraram com uma queixa constitucional contra a autorização de abatimento constada na legislação de segurança da aviação. No ano seguinte, a corte deu razão à queixa, declarando a autorização de abatimento de aviões inconstitucional na Alemanha.
Em contrapartida, Jung enfatizou que a única questão relevante seria se as vidas das 70 mil pessoas no estádio de futebol ainda poderiam ser salvas. Essas pessoas, argumentou, também têm direto à dignidade humana. As vidas dos passageiros sequestrados, prosseguiu, não tinham mais como serem salvas. Segundo Jung, há nesta ocorrência um caso de emergência que transcende os preceitos constitucionais.
O filme tem como base uma peça de teatro escrita por Ferdinand von Schirach, que se inspirou justamente no veredicto do Tribunal Constitucional Federal de 2006. A peça já foi encenada mais de 400 vezes e, na maioria das apresentações, o público também votou a favor da absolvição do piloto, mas com uma margem menor, de cerca de 60%.
E qual é a opinião do autor da narrativa? Von Schirach dá razão a ambas as linhas de raciocínio. Com sua decisão, o piloto salvou muitas vidas, mas "apenas há o herói trágico e culpado, jamais o feliz", disse o autor em entrevista ao tabloide alemão Bild. "No nosso caso, isso significaria: abater a aeronave e, em seguida, uma sentença de prisão perpétua", disse. Numa situação real, o piloto provavelmente teria sido condenado, afirmou Von Schirach. "E merecidamente."
Assista aqui ao filme completo (em alemão).