Prêmio Camões para Dalton Trevisan
22 de maio de 2012Nesta segunda-feira (21/05), em Lisboa, foi anunciado que o Prêmio Camões, considerado o mais importante da língua portuguesa, vai este ano para o contista brasileiro Dalton Trevisan.
Escrita seca
Nascido em 1925, em Curitiba, o escritor estreou no início da década de 40. Tornou-se conhecido já à época como um dos editores da revista Joaquim, que circulou entre 1946 e 1948, com a qual viriam a contribuir alguns dos maiores intelectuais e artistas brasileiros em atividade no pós-guerra imediato, como Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário Pedrosa, Candido Portinari, Otto Maria Carpeaux, Antonio Candido, Carlos Drummond de Andrade e Fayga Ostrower.
Na década de 60, com a publicação de livros de contos como Cemitério de elefantes (1964) e uma de suas obras-primas, O Vampiro de Curitiba (1965), passa a contar entre os mais importantes e influentes prosadores do país. Sua escrita é tesa, seca e desafetada, apresentando de forma extremamente direta aspectos da vida social no país.
Desse modo, seus contos centrados na violência das relações humanas nas grandes cidades imediatamente o distinguiram tanto do realismo regionalista de autores como José Lins do Rêgo e Jorge Amado, como das investigações de caráter metafísico de autores como Lúcio Cardoso, Clarice Lispector ou João Guimarães Rosa.
Entre predação e solidariedade
Essa decisão estética de não mascarar a crueldade com requintes líricos, o liga – ao lado de Rubem Fonseca – a poucos autores e obras nacionais até aquele momento, como o Graciliano Ramos de Angústia (1934), os contos de João do Rio ou a maestria satírica de Machado de Assis.
O conto “Uma vela para Dario”, incluído em Cemitério de elefantes, é emblemático neste sentido e um de seus textos antológicos. Em apenas duas páginas, com sua concisão que parece mimetizar a própria violência humana que descreve – a da pressa da competição pela sobrevivência –, Trevisan relata sem qualquer alteração de pulso e ritmo e sem julgar, como a personagem principal, ao passar mal numa rua qualquer, vai perdendo aos poucos os seus pertences – carteira, aliança de ouro e paletó desaparecendo a cada ato de ajuda. Três horas depois, sem ambulância ou rabecão, a personagem está morta e mais pobre do que nunca.
Sem deixar de descrever também alguns atos de generosidade e compaixão, no entanto, Trevisan nos mostra a convivência humana como balançando-se entre a predação e a solidariedade – mas insinuando qual delas costuma pesar mais no prato.
Em seu conto mais famoso, “O vampiro de Curitiba”, o autor contribui a essa larga tradição literária com um texto que prescinde do fantástico, para chegar ao caroço das lendas vampirescas como manifestações do desejo sexual desenfreado e animal.
Aqui, Trevisan emprega um trato pessoal e experimental com a língua, mesclando e oscilando entre o coloquialismo dos primeiros modernistas e expressões arcaicas, estilo inimitável que deixaria marcas na prosa brasileira das duas últimas décadas, que teve Trevisan como um dos mestres declarados. No entanto, talvez apenas alguns autores – como Hilda Hilst, tenham conseguido produzir trabalhos originais e com um estilo também bastante pessoal, a partir de técnicas similares.
Alta distinção
Dalton Trevisan publicou cerca de 40 livros, e tem sido uma presença constante no cenário cultural brasileiro, apesar da alcunha de "Vampiro de Curitiba", por se recusar a dar entrevistas, ser fotografado ou participar de eventos "literários" (leia-se "sociais").
Nos últimos anos, levou ao extremo seu minimalismo, publicando as micronarrativas de volumes como Ah, é? (1994), 234 (1997) e Pico na veia (2002), pelo qual recebeu o Prêmio Portugal Telecom de 2003. Editado no Brasil pela Record, seu último trabalho foi O anão e a ninfeta (2001). Ganhador de prêmios da Câmara Brasileira do Livro, do PEN Club Brasil e do Ministério da Cultura, Trevisan recebe agora o prestigioso Camões.
Instituída pelos governos do Brasil e Portugal em 1988, a distinção é atribuída anualmente, e a cerimônia de entrega se alterna entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Agora em seu 24º ano, o prêmio foi entregue pela primeira vez ao português Miguel Torga, e no ano seguinte ao brasileiro João Cabral de Melo Neto.
Ao todo, foram homenageados dez portugueses, dez brasileiros, dois angolanos, um moçambicano e um cabo-verdiano. Em 2006, o angolano José Luandino Vieira recusou o prêmio, por "motivos íntimos e pessoais", sendo o único a fazê-lo até o momento.
Dalton Trevisan, que não costuma recusar nem comparecer a tais honrarias, ainda não se manifestou sobre sua premiação.
Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Augusto Valente