Prêmios internacionais exaltam indígenas brasileiras
16 de outubro de 2020A notícia chegou durante uma reunião virtual com membros da ONG Robert F. Kennedy, sediada nos Estados Unidos: Alessandra Munduruku, líder indígena, havia sido escolhida para o prêmio de Direitos Humanos, dado pela instituição há 37 anos. Ela é a primeira brasileira laureada.
A cerimônia de premiação, marcada para 22 de outubro terá o ex-secretário de Estado John Kerry entre os palestrantes e será acompanhada por Munduruku direto de sua aldeia, na margem esquerda do rio Tapajós, no Pará.
"Estou muito feliz e vou comemorar com meu povo", disse à DW Brasil a laureada sobre o prêmio internacional. "É sinal de que as pessoas estão ouvindo a gente. Muitos, quando a gente fala, não escutam", comenta a escolha de seu nome.
Destinada a "notáveis campeões de coragem moral que resistem à opressão, mesmo com grande risco pessoal, na busca não violenta dos direitos humanos”, a premiação dada pela Robert F. Kennedy reconhece Alessandra Munduruku como líder que defende os direitos indígenas, com destaque pela demarcação de terras e contra grandes projetos governamentais que afetam os territórios tradicionais da região do Tapajós.
"Foi uma felicidade poder dizer ao cacique que a atuação das mulheres rendeu esse reconhecimento. Porque não sou só eu. É uma fala em coletivo", adiciona.
A atuação de indígenas brasileiros tem chamado a atenção fora do país. Nesta quinta-feira (15/10), foi a vez de Sonia Guajajara participar da cerimônia virtual que entregou o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos. Ele foi dado pelo Instituto de Estudos Políticos de Washington à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A premiação, que homenageia defensores dos direitos humanos e celebra quem trabalha para promover justiça, paz e a dignidade, é dada há 44 anos em memória de Orlando Letelier e Ronni Karpen Moffitt, membros do instituto mortos pela ditadura chilena em 1976.
"Achei que a gente só seria homenageado quando a gente morresse", comenta Alessandra Munduruku, lembrando lideranças assassinadas por defenderem a Amazônia, como o seringueiro Chico Mendes e a missionária Dorothy Stang.
Militância e ameaças
Ameaças entraram para o cotidiano de Alessandra Munduruku. Temendo por sua vida, ela troca constantemente de chip de telefone, nunca dá detalhes sobre sua localização e sempre desconfia de carros com vidros escuros que passam por perto. "Tem noite que não consigo dormir, fico muito ansiosa, preocupada. Agora tenho mais cuidado”, detalha.
Em novembro de 2019, ladrões arrombaram a casa dela, em Santarém, no Pará, levaram computador, pen drives, celular, cartões de memória e relatórios de atividades e pesquisas do povo munduruku. Na semana anterior ao crime, ela estava com caciques em Brasília para denunciar o aumento das invasões de madeireiros e garimpeiros nas terras indígenas, que ainda aguardam demarcação.
Denúncias do tipo de avolumaram desde então. Recentemente, um grupo de lideranças entregou ao Ministério Público Federal do Pará uma carta pedindo apoio para expulsar os invasores. O documento foi resultado da mobilização de caciques, guerreiros, professores e associações depois de uma visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à região. Na ocasião, em meados de agosto, Salles conversou com garimpeiros e apoiou publicamente a atividade.
"Com esse governo, deram autonomia para todos que querem legalidade do garimpo, que querem invadir os nossos territórios. Tudo o que era ilegal está ficando legal. A Constituição foi simplesmente rasgada”, comenta Munduruku.
Sem diálogo com o governo de Jair Bolsonaro, Sonia Guajajara foi recentemente acusada pelo governo federal de crime lesa-pátria à frente da Apib. Em uma publicação numa rede social, General Augusto Heleno, Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, disse que indígenas trabalhariam para "publicar fake news contra o Brasil; imputar crimes ambientais ao Presidente da República; e apoiar campanhas internacionais de boicote a produtos brasileiros”.
Em resposta, a Apib afirmou que as acusações, "além levianas e mentirosas, são irresponsáveis” por colocarem em risco a segurança pessoal de Guajajara. "O maior crime que lesa nossa pátria é a omissão do governo diante da destruição de nossos biomas, das áreas protegidas, das queimadas ilegais, da grilagem, do desmatamento e da invasão de nossas terras e do roubo das nossas riquezas”, rebateu a entidade.
"Nós existimos”
Uma das atuações da Apib de destaque que chamaram a atenção do grupo de jurados do prêmio Letelier-Moffitt de Direitos Humanos foi a Jornada Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais, que percorreu 12 países europeus em 2019.
A intenção do grupo era denunciar violações dos direitos indígenas cometidas pelo governo Bolsonaro e alertar para os riscos de aumento desses crimes com a ratificação do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.
Em seu último relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou que invasões em terras indígenas, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio mais do que dobraram no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro com um total de 256 casos em 2019 – um crescimento de 135%.
"Resistimos há mais de 500 anos e continuaremos trabalhando incansavelmente pela justiça. Estamos honrados pelo reconhecimento do Instituto de Estudos de Políticos pelo nosso trabalho em defesa do Brasil e dos povos indígenas contra a destruição ambiental e cultural. Nossa luta, por extensão, é por todas as pessoas que vivem neste planeta durante este tempo de crise climática”, afirma Sonia Guajajara.
Alessandra Munduruku, que receberá 30 mil dólares como parte do prêmio de Direitos Humanos Robert F. Kennedy, planejar usar o dinheiro para ajudar o povo munduruku por meio da Associação Indígena Pariri, que presidiu de 2017 a 2018.
"O mundo tem que saber que nós existimos. Existimos pelo rio, pela floresta, estamos aqui. Muitas vezes as pessoas acham que aqui só tem floresta e querem explorar”, diz Munduruku.
Crítica, ela ressalta a participação de empresas estrangeiras em grandes empreendimentos na Amazônia. "Não construímos turbina para as hidrelétricas aqui na Amazônia. De onde vêm? De países desenvolvidos. Eles também massacram povos indígenas, assim como quem constrói armas”, pontua.