Brasil visto de fora
29 de setembro de 2010Ao fim da primeira década do século 21, as maiores instituições do globo acompanham com atenção o fim da era Lula e a chegada de um novo líder político brasileiro. Mas, há 20 anos, o mundo não esperava ver o Brasil atuando com influência no cenário internacional.
"O que vemos agora não era previsível. O Brasil, assim como outros países da América Latina, passou por uma ditadura, teve uma entrada tardia na democracia e teve que lutar por uma série de coisas. Acho que muita lição de casa foi feita. Lula mostrou ao mundo coisas novas e áreas novas em que seu país poderia contribuir", avalia Federico Foders, especialista em Relações Internacionais e professor da Universidade de Colônia, no oeste alemão.
Há certo consenso entre os pesquisadores que acompanham o desenrolar político brasileiro: o novo presidente vai herdar um Brasil com mais credibilidade internacional do que há oito anos.
"A visão que o mundo tem hoje do Brasil é muito diferente. Ele foi um país introvertido durante muitos anos. Isso começou um pouco na época de Fernando Henrique Cardoso. Mas foi com Lula que o Brasil passou a fazer parte da primeira liga de nações", afirma Susanne Gratius, pesquisadora alemã da Fride, Fundação para Relações Internacionais e Diálogo Exterior, com base em Madri.
Melhor do que o esperado
Em 2002, quando Lula assumiu, havia também uma tensão na comunidade internacional, como lembra Federico Foders: "Ao fim desses oito anos, podemos dizer que Lula foi melhor do que muitos esperavam. Porque, quando ele chegou ao poder, um grande número de pessoas tinha medo de suas políticas e coisas do tipo".
Mas o que se viu foi o Brasil fazendo parte, ativamente, do G20, que reúne as maiores economias do globo – do qual exerceu a presidência em 2008 – , atuando como protagonista no BRIC, grupo de países emergentes criado no início da década, e também puxando as negociações da rodada de Doha.
"O Brasil é agora o que foi o México nos anos 1970, ou seja, um porta-voz dos países latino-americanos e em desenvolvimento. E, ao mesmo tempo, forma o time dos primeiros países do mundo", classifica Susanne Gratius.
A pedido da Deutsche Welle, o comissariado de relações diplomáticas da União Europeia fez uma análise das relações com o Brasil no últimos anos. Além de destacar a relevância do país em números, Maja Kocijancic, porta-voz de Catherine Ashton, alta representante da UE para Política Externa, acrescentou: "A União Europeia reconhece por completo o papel global crescente do Brasil e, por isso, estabeleceu em 2007 uma parceria estratégica com o país", afirmou.
De lá para cá, os encontros anuais geraram diversos reflexos positivos para os dois lados. Um exemplo está no fato de o Brasil receber mais investimentos europeus do que Índia e China juntas. Só em 2008, foram 112,5 bilhões de euros.
Um pouco de aventura
Os especialistas reconhecem a influência de Lula devido a sua personalidade carismática, que repercutiu tanto em nível nacional – com o maior índice de popularidade de um presidente já visto no Brasil – como internacional.
Mas, para Susanne Gratius, o presidente também se mostrou uma figura controversa: "Se pensarmos que ele se aproximou de países com regimes autoritários como Irã e Cuba, claro que isso tem implicações ideológicas. Mas isso não existia antes na política exterior do Brasil".
Já o professor da Universidade de Colônia vê a mesma temática com outros olhos. Ao se envolver na negociação do acordo atômico com o Irã, por exemplo, o Brasil recebeu provas de que é respeitado pela comunidade internacional. "Não se pode participar de uma negociação desse tipo se não se tem respeito. E não acho que o Brasil tenha sofrido danos na sua imagem. Não se devem julgar essas negociações apenas pelos resultados imediatos, elas precisam de tempo. E acho que foi importante o envolvimento do Brasil, isso reforçou a reputação do país no século 21."
Ainda sobre a aproximação com governos mais autoritários, Foders analisa que o desempenho de Lula, pontualmente no caso da Venezuela, foi o melhor que poderia acontecer para os demais países da região. "Se não fosse o presidente Lula, no Brasil, conter o presidente Chávez, não saberíamos o que aconteceria com a influência da Venezuela na América Latina."
Jogo de forças
Independentemente de quem vencer as eleições de 3 de outubro, o novo chefe de governo deve encontrar um caminho delineado no tocante à política externa brasileira. "Lula preparou o caminho para que Brasil continue atuando fortemente em nível internacional. Agora se trata de consolidar esses avanços na política internacional e comprovar se o Brasil será capaz de manter essa liderança, esse protagonismo global", desafia Gratius.
A União Europeia também espera reforçar as negociações bilaterais e revela ambições de cooperação mais estreita nas áreas de pesquisa, energia, meio ambiente e comércio – especialmente no âmbito do Mercosul, como revela Maja Kocijancic.
A "notável presença brasileira no cenário internacional" tem um significado que, para Federico Foders, sinaliza a mudança dos tempos: "Eu acredito que as grandes potências estão perdendo força. No jogo do cenário internacional, só é possível ganhar força se alguém a perde".
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer