Pé na praia: Jantando no Brasil
15 de junho de 2016Em convites para jantar tenho poucas ilusões. Antes de me mudar para o Rio de Janeiro vivi muitos anos como correspondente em Londres e Nova York, trabalhando para o jornal alemão Die Zeit. Nesses lugares aprendi: "Venha jantar lá em casa!" não quer dizer absolutamente nada. Só significa uma expressão educada. Raramente um inglês ou americano faria o convite com uma data marcada, muitas vezes nem se fica sabendo o endereço do dono da casa. Suponho que os ingleses e os americanos façam suas refeições quase sempre sozinhos.
No Brasil isso é diferente. Mais complicado. Mais enigmático. Não está em nenhum dicionário, mas "Por favor, venha jantar amanhá às 7 horas" é o jeito de falar mais incompreensível que conheço. Significa que o jantar deve acontecer de verdade. Talvez até mesmo amanhã à noite. Mas não dá para saber direito. O anfitrião não sabe se ele deve cozinhar alguma coisa, o convidado não sabe se alguma coisa será preparada. Muitos brasileiros ainda mandam para seus convidados, entre as conversas para combinar e o bater na campainha da porta, várias mensagens de Whatsapp, ou telefonam para lembrar do compromisso. Duvido que isso ajude muito.
A única coisa certa é que o jantar não começará às 7 horas. Será lá, caso aconteça, pelas 9 ou às 10 horas ou até mais tarde. Sob a perspectiva alemã, esse modelo exige da cozinha uma flexibilidade impossível: o “timing” do suflê! O ponto da carne!
No que diz respeito a tais desafios, descobri que os brasileiros são perfeitos. As pessoas mais simpáticas de meu país anfitrião agem exatamente como se imagina em um clichê: chegam atrasadas, e primeiro conversam um pouco. Deixam para resolver tudo no último minuto e, assim mesmo, se mantém calorosas e relaxadas. Na maioria das vezes dá tudo certo. Pontualidade e excesso de pontualidade são, por sua parte, sancionadas. Meu coração alemão nunca vai compreender isso por completo.
No que diz respeito ao jantar, descobri um conselho prático: o cozinheiro tem que pensar com antecedência na possibilidade de precisar aumentar a quantidade de comida. Dependendo das circunstâncias virão muito mais ou muito menos convidados do que o esperado. Certa vez planejamos um jantar indiano lá em casa. Meio de brincadeira, chamei uma orquestra de jazz inteira para ir jantar lá em casa às 7.
Não dá para acreditar na quantidade de arroz que foi preciso cozinhar quando bateram na porta à meia noite.
Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.