Quebra do Banco Espírito Santo não é retorno da crise do euro
5 de agosto de 2014Até o início desta semana, todos os sinais indicavam uma boa recuperação da economia portuguesa. Em abril passado, o país foi bem-sucedido no retorno ao mercado de capitais, após uma ausência de três anos. Um mês depois, Portugal deixou o pacote europeu de resgate. Em junho, rejeitou a última parcela da ajuda financeira oferecida pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Agora, porém, Portugal dá o primeiro passo para trás. O Banco Espírito Santo (BES), líder do setor privado país, ameaçou entrar em colapso. Com temor de uma nova crise bancária e financeira, o governo português anunciou um resgate financeiro de 4,9 bilhões de euros à instituição. O dinheiro vem dos recursos que os portugueses receberam da UE, do FMI e do Banco Central Europeu – a chamada troica – durante a crise. Dos 12 bilhões de euros, restam ainda 6,4 bilhões de euros.
"Ter que salvar um banco agora é obviamente um revés para Portugal", afirma Holger Schmieding, economista-chefe do Banco Berenberg. Para ele, porém, o governo em Lisboa tem condições de administrar esse revés. "Importante agora é que Portugal lide com esse problema de maneira rápida e enérgica, para limitar eventuais efeitos sobre a economia portuguesa."
Fim da linha
Há meses que turbulências no império da família Espírito Santo têm deixado setores financeiros e bancários de Portugal preocupados. No fim de maio, vieram à tona irregularidades na holding Espírito Santo International, controlada pelo Grupo Espírito Santo (GES), que teria ocultado 1,3 bilhão de euros de dívidas, provocadas pelas dificuldades financeiras dos fundadores do grupo. Outras empresas da família também se mostraram insolventes.
Há poucos dias, o ex-presidente do BES e patriarca da família, Ricardo Espírito Santo Salgado, foi preso por suposta ligação com um esquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, segundo investigações do Ministério Público, na chamada operação Monte Branco. A família Espírito Santo continua sendo a maior acionista do BES.
Para David Kohl, economista-chefe do banco privado suíço Julius Bär, o caso do banco português não deve gerar uma nova crise financeira. "Temos aqui um problema bancário bem pontual, que pouco tem a ver com a crise sistêmica que toda a Europa viveu há alguns anos", observa.
Na época, as finanças públicas e diversos bancos da Irlanda viram-se afundados numa grave crise, após o estouro da bolha imobiliária. Concedida em setembro de 2008, a garantia incondicional para os 400 bilhões de euros em depósitos, ao todo, de seis grandes bancos, levou a um enorme sobrecarga do orçamento público. Ao final, o país se viu obrigado a pedir ajuda a credores internacionais.
Devido à situação econômica precária, Portugal também precisou, pouco depois, pedir ajuda à UE. A fim de evitar a quebra, o país teve que recorrer a 78 bilhões de euros em créditos emergenciais.
Novos mecanismos
"Sempre haverá problemas individuais em bancos", avalia Schmieding. O economista ressalta, porém, que o importante é evitar que o problema de um único banco contamine outros, ou mesmo toda a economia. "Em Portugal, felizmente, quem causou o problema – ou seja, o proprietário e administrador – terá seu comportamento punido com perdas massivas, mas sem prejudicar os clientes ou a economia como um todo", diz.
Como estratégia de resgate, as autoridades portugueses decidiram dividir o BES em ativos "bons" e "maus". Os de boa qualidade foram transferidos para o recém-criado Novo Banco, que receberá a injeção de 4,9 bilhões de euros. Os ativos ruins ficaram com o chamado bad bank, que deve continuar nas mãos dos atuais acionistas.
Com essa solução, os clientes do antigo BES não precisam temer perdas, afirma Schmieding. "Assim, é pequeno o risco de um grande problema financeiro, como por exemplo uma retirada em massa de dinheiro das contas de outros bancos portugueses", explica.
Kohl também duvida que a ajuda ao BES possa causar efeitos maléficos ao mercado financeiro. "Os novos mecanismos de proteção criados durante a crise europeia vão impedir isso", avalia. Além disso, nos últimos anos Portugal conseguiu um voto de confiança nos mercados financeiros. O país pode se financiar em condições favoráveis, e, recentemente, a agência de classificação de risco Moody's elevou a nota do seus papéis.
Segundo avaliação da Moody's, as incertezas sobre o BES não devem exercer nenhuma influência sobre as contas públicas portuguesas. Afinal, diz, Portugal encontra-se numa confortável situação de liquidez, com acesso a mercados de crédito internacional e reservas significativas.