Quem deve controlar a rede?
15 de novembro de 2005Desde a primeira etapa da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, ocorrida em dezembro de 2003, em Genebra, os europeus sugerem a criação de um fórum onde as nações possam se dedicar aos problemas da internet, como a pedofilia. Outro ponto de discussão que também é consenso é o do domínio digital.
A metade da humanidade, cerca de três bilhões de pessoas, deverá ter acesso à internet até 2015. Número que poderá ser alcançado, já que, a cada ano, há 20% mais internautas no planeta.
Apesar dos dados promissores, o abismo digital parece que não será vencido. As maravilhas da sociedade da informação são, para algumas pessoas em países em desenvolvimento, puro luxo.
Domínio norte-americano
Os Estados Unidos afirmam que o papel histórico que tiveram na expansão da internet lhes garante o direito de manter o controle sobre a rede. Em entrevista à revista Der Spiegel, a comissária européia para a Sociedade de Informação e Mídia, Viviane Reding, explica que o governo estadunidense apresenta ainda outros argumentos.
"As crescentes ameaças contra a segurança no país estão entre os fatores que levaram à decisão norte-americana de manter o monopólio. E isso, a UE não aceita", acrescenta.
Este pode ser um ponto de conflito durante a conferência. Conforme o professor de Ciência da Comunicação da Universidade de Constância Rainer Kuhlen, a cúpula pode reservar surpresas. "A União Européia deixou claro que não quer mais ser controlada por um governo e, por outro lado, os EUA já disseram que não pretendem desistir do controle unilateral", comenta.
Participação brasileira
"Dessa forma, há o temor de que países como o Brasil e a Índia, nações que já têm uma forte penetração na internet, desenvolvam uma forma própria de rede", alerta Kuhlen.
São exatamente os governos destes países – entre eles, o brasileiro – que pedem a dissolução da Icann (órgão mundial responsável por estabelecer regras do uso da internet, com sede na Califórnia) e a criação de um grêmio sob a fiscalização da ONU.
"Apesar de ser uma entidade internacional e sem fins lucrativos, o órgão tem laços estreitos com o Departamento de Comércio norte-americano, o que daria margem aos Estados Unidos para desconectar domínios de países como a Coréia do Norte", explica Wolfgang Kleinwächter, da Universidade de Asrhus, na Dinamarca.
Leia a seguir: Violação dos direitos humanos na Tunísia
Novo modelo
De acordo com Viviane Reding, os 25 países da União Européia exigem um novo modelo de cooperação para a internet, onde todas as nações interessadas possam se reunir e discutir os temas centrais em conjunto. "A rede pertence a todas as sociedades e não deve ser controlada por um único país", explica.
A idéia, segundo Reding, é de substituir, com o tempo, a posição dos Estados Unidos em relação à internet por um corpo técnico intergovernamental, "sem significar necessariamente as Nações Unidas", argumenta.
Em resposta, a secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, e o secretário de Comércio, Carlos Gutierrez, solicitaram à União Européia que reconsidere a nova posição e trabalhe em conjunto para que os benefícios da sociedade de informação atinjam a todos.
"O que os europeus sugerem poderá frear nossa idéia de modelo de internet para todos", alerta o representante norte-americano da Secretaria de Estado David Gross. Segundo ele, seria perigoso compartilhar o controle da rede com países como Cuba e Irã. "Reformas muito profundas não são o que Washington quer", ressalta.
O argumento é de que há o risco de que uma censura maior impere. "A Europa é apoiada por países que não são conhecidos por aceitar a liberdade de expressão", complementa Gross.
Exclusão digital
Além do controle sobre a internet, a cúpula discutirá outro ponto crítico: o crescente distanciamento entre países do ponto de vista da inclusão digital. "O que se pensou que aproximaria os povos está, cada vez mais, os afastando", reflete o professor da Universidade de Constância. Conforme Rainer Kuhlen, as medidas tomadas até o momento não foram eficazes.
Direitos humanos
Não somente os temas abordados na cúpula prometem esquentar as discussões. A própria escolha do local do encontro, Túnis, capital da Tunísia, é motivo de críticas. E a questão envolve os direitos humanos.
Organizações não governamentais como os Repórteres Sem Fronteiras (RSF) estão indignadas com a participação de um país que não respeita nem a liberdade de expressão nem os direitos fundamentais. "A Tunísia não tem o direito de participar das decisões sobre o futuro da internet", ressalta Julien Pain, dos RSF.
Ele destaca que as autoridades tunisianas dificultam o trabalho de grupos ligados à defesa dos direitos humanos. "Não conseguimos alugar uma sala sequer para realizar uma coletiva de imprensa", protesta Pain. "Nós sabemos que o governo não respeita a liberdade de expressão. Censuraram nossa página na internet", complementa.
Oito oposicionistas estão em greve de fome na Tunísia, em protesto contra a violação dos direitos fundamentais. O secretário geral das Nações Unidas, Kofi Annan, advertiu pessoalmente para o problema. O presidente Ben Ali não se sensibilizou. A repressão continua.